Lei n.º 100/97
13 de Julho
Aprova o novo regime jurídico
dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto da lei
1 - Os trabalhadores
e seus familiares têm direito à reparação dos danos
emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos
previstos na presente lei e demais legislação regulamentar.
2 - Às doenças profissionais aplicam-se, com as devidas adaptações,
as normas relativas aos acidentes de trabalho, sem prejuízo das que só
a elas especificamente respeitem.
1 - Têm direito
à reparação os trabalhadores por conta de outrem de qualquer
actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.
2 - Consideram-se trabalhadores por conta de outrem para efeitos do presente
diploma os que estejam vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente
equiparado e os praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações
que devam considerar-se de formação prática, e, ainda,
os que, considerando-se na dependência económica da pessoa servida,
prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço.
3 - É aplicável aos administradores, directores, gerentes ou equiparados,
quando remunerados, o regime previsto na presente lei para os trabalhadores
por conta de outrem.
Artigo
3.º
Trabalhadores independentes
1 - Os trabalhadores
independentes devem efectuar um seguro que garanta as prestações
previstas na presente lei, nos termos que vierem a ser definidos em diploma
próprio.
2 - Consideram-se trabalhadores independentes os trabalhadores que exerçam
uma actividade por conta própria.
Artigo 4.º
Trabalhadores estrangeiros
1 - Os trabalhadores
estrangeiros que exerçam actividade em Portugal são, para os efeitos
desta lei, equiparados aos trabalhadores portugueses.
2 - Os familiares dos trabalhadores estrangeiros referidos no número
anterior beneficiam igualmente da protecção estabelecida nesta
lei relativamente aos familiares do sinistrado.
3 - Os trabalhadores estrangeiros sinistrados em acidentes em Portugal ao serviço
de empresa estrangeira, sua agência, sucursal, representante ou filial,
podem ficar excluídos do âmbito desta lei desde que exerçam
uma actividade temporária ou intermitente e, por acordo entre Estados,
se tenha convencionado a aplicação da legislação
relativa à protecção dos sinistrados em acidentes de trabalho
em vigor no Estado de origem.
Artigo 5.º
Trabalhadores no estrangeiro
Os trabalhadores portugueses e os trabalhadores estrangeiros residentes em Portugal sinistrados em acidentes de trabalho no estrangeiro ao serviço de empresa portuguesa terão direito às prestações previstas nesta lei, salvo se a legislação do Estado onde ocorreu o acidente lhes reconhecer direito à reparação, caso em que o trabalhador poderá optar por qualquer dos regimes.
CAPÍTULO II
Acidentes de trabalho
Artigo 6.º
Conceito de acidente de trabalho
1 - É acidente
de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza
directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional
ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho
ou de ganho ou a morte.
2 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho, nos termos em que vier a ser definido em regulamentação posterior;
b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade empregadora;
c) No local de trabalho, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos da lei;
d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa da entidade empregadora para tal frequência;
e) Em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso;
f) Fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pela entidade empregadora ou por esta consentidos.
3 - Entende-se por local de trabalho todo o lugar em que o
trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que
esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.
4 - Entende-se por tempo de trabalho, além do período normal de
laboração, o que preceder o seu início, em actos de preparação
ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em actos também com ele
relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas
de trabalho.
5 - Se a lesão corporal, perturbação ou doença for
reconhecida a seguir a um acidente presume-se consequência deste.
6 - Se a lesão corporal, perturbação ou doença não
for reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários
legais provar que foi consequência dele.
Artigo 7.º
Descaracterização do acidente
1 - Não dá direito a reparação o acidente:
a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) Que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se a entidade empregadora ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação;
d) Que provier de caso de força maior.
2 - Só se considera caso de força maior o que,
sendo devido a forças inevitáveis da natureza, independentes de
intervenção humana, não constitua risco criado pelas condições
de trabalho nem se produza ao executar serviço expressamente ordenado
pela entidade empregadora em condições de perigo evidente.
3 - A verificação das circunstâncias previstas neste artigo
não dispensa as entidades empregadoras da prestação dos
primeiros socorros aos trabalhadores e do seu transporte ao local onde possam
ser clinicamente socorridos.
Artigo 8.º
Exclusões
1 - São excluídos do âmbito da presente lei:
a) Os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, a pessoas singulares em actividades que não tenham por objecto exploração lucrativa;
b) Os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração se a entidade a quem for prestado o serviço trabalhar habitualmente só ou com membros da sua família e chamar para o auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores.
2 - As exclusões previstas no número anterior não abrangem os acidentes que resultem da utilização de máquinas e de outros equipamentos de especial perigosidade.
Artigo 9.º
Predisposição patológica e incapacidade
1 - A predisposição patológica do sinistrado
num acidente não exclui o direito à reparação integral,
salvo quando tiver sido ocultada.
2 - Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada
por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo
acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a
não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado
já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital nos termos
da alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º
3 - No caso de o sinistrado estar afectado de incapacidade permanente anterior
ao acidente, a reparação será apenas a correspondente à
diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se
tudo fosse imputado ao acidente.
4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando do acidente
resulte a inutilização ou danificação dos aparelhos
de prótese ou ortopedia de que o sinistrado já era portador, o
mesmo terá direito à sua reparação ou substituição.
5 - Confere também direito à reparação a lesão
ou doença que se manifeste durante o tratamento de lesão ou doença
resultante de um acidente de trabalho e que seja consequência de tal tratamento.
O direito à reparação compreende, nos termos que vierem a ser regulamentados, as seguintes prestações:
a) Em espécie: prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa;
b) Em dinheiro: indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente; pensões aos familiares do sinistrado; subsídio por situações de elevada incapacidade permanente; subsídio para readaptação de habitação, e subsídio por morte e despesas de funeral.
Artigo 11.º
Lugar do pagamento das prestações
1 - O pagamento das prestações previstas na alínea
b) do artigo anterior será efectuado no lugar da residência do
sinistrado ou dos seus familiares, se outro não for acordado.
2 - Se o credor das prestações se ausentar para o estrangeiro,
o pagamento será efectuado em local do território nacional por
ele indicado, se outro lugar não tiver sido acordado e sem prejuízo
do disposto em convenções internacionais ou acordos de reciprocidade.
Artigo 12.º
Serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho
As entidades empregadoras devem garantir a organização e o funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos definidos em legislação própria.
1 - O internamento e os tratamentos previstos na alínea
a) do artigo 10.º devem ser feitos em estabelecimentos adequados ao restabelecimento
e reabilitação do sinistrado.
2 - O recurso, quando necessário, a estabelecimentos hospitalares fora
do território nacional será feito após parecer de junta
médica comprovando a impossibilidade de tratamento em hospital no território
nacional.
Artigo 14.º
Observância de prescrições clínicas e cirúrgicas
1 - Os sinistrados em acidentes devem submeter-se ao tratamento
e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas
do médico designado pela entidade responsável e necessárias
à cura da lesão ou doença e à recuperação
da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito a solicitar o exame
pericial do tribunal.
2 - Não conferem direito às prestações estabelecidas
nesta lei as incapacidades judicialmente reconhecidas como consequência
de injustificada recusa ou falta de observância das prescrições
clínicas ou cirúrgicas ou como tendo sido voluntariamente provocadas,
na medida em que resultem de tal comportamento.
3 - Considera-se sempre justificada a recusa de intervenção cirúrgica
quando, pela sua natureza ou pelo estado do sinistrado, ponha em risco a vida
deste.
Artigo 15.º
Transportes e estada
1 - O fornecimento ou o pagamento dos transportes e estada
abrange as deslocações e permanência necessárias
à observação e tratamento, e as exigidas pela comparência
a actos judiciais, salvo, quanto a estas, se for consequência de pedidos
dos sinistrados que vierem a ser julgados totalmente improcedentes.
2 - Quando o sinistrado for menor de 16 anos ou quando a natureza da lesão
ou da doença ou outras circunstâncias especiais o exigirem, o direito
a transporte e estada será extensivo à pessoa que o acompanhar.
3 - O transporte e estada devem obedecer às condições de
comodidade impostas pela natureza da lesão ou doença.
Artigo 16.º
Recidiva ou agravamento
1 - Nos casos de recidiva ou agravamento, o direito às
prestações previstas na alínea a) do artigo 10.º mantém-se
após a alta, seja qual for a situação nesta definida, e
abrange as doenças relacionadas com as consequências do acidente.
2 - O direito à indemnização por incapacidade temporária
absoluta ou parcial para o trabalho, prevista na alínea b) do artigo
10.º, em caso de recidiva ou agravamento, mantém-se:
a) Após a atribuição ao sinistrado de nova baixa;
b) Entre a data da alta e a da nova baixa seguinte, se esta última vier a ser dada no prazo de oito dias.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, será considerado o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da remuneração mínima mensal garantida mais elevada.
Artigo 17.º
Prestações por incapacidade
1 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado, este terá direito às seguintes prestações:
a) Na incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho: pensão anual e vitalícia igual a 80% da retribuição, acrescida de 10% por cada familiar a cargo, conceito a definir em regulamentação ulterior, até ao limite da retribuição e subsídio por situações de elevada incapacidade permanente;
b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual: pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e subsídio por situações de elevada incapacidade permanente;
c) Na incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30%: pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho e subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, em caso de incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%;
d) Na incapacidade permanente parcial inferior a 30%: capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, calculado nos termos que vierem a ser regulamentados;
e) Na incapacidade temporária absoluta: indemnização diária igual a 70% da retribuição;
f) Na incapacidade temporária parcial: indemnização diária igual a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
2 - As indemnizações são devidas enquanto
o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação
profissional; mas serão reduzidas a 45% durante o período de internamento
hospitalar ou durante o tempo em que correrem por conta da entidade empregadora
ou seguradora as despesas com assistência clínica e alimentos do
mesmo sinistrado, se este for solteiro, não viver em união de
facto ou não tiver filhos ou outras pessoas a seu cargo.
3 - A retribuição correspondente ao dia do acidente será
paga pela entidade empregadora.
4 - As indemnizações por incapacidade temporária começam
a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e as pensões por incapacidade
permanente no dia seguinte ao da alta.
5 - Será estabelecida uma pensão provisória
por incapacidade permanente entre o dia seguinte ao da alta e o momento de fixação
da pensão definitiva, nos termos a regulamentar.
Artigo 18.º
Casos especiais de reparação
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.
2 - O disposto no número anterior não prejudica
a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral nem a responsabilidade
criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver
sido provocado pelo representante da entidade empregadora, esta terá
direito de regresso contra ele.
Artigo 19.º
Prestação suplementar
1 - Se, em consequência da lesão resultante do
acidente, o sinistrado não puder dispensar a assistência constante
de terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar
da pensão atribuída não superior ao montante da remuneração
mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico.
2 - A prestação suplementar da pensão suspende-se sempre
que se verifique o internamento do sinistrado em hospital, ou estabelecimento
similar, por período de tempo superior a 30 dias e durante o tempo em
que os custos corram por conta da entidade empregadora ou seguradora.
3 - É aplicável à prestação suplementar,
com as devidas adaptações, o disposto no artigo 17.º, n.º 5, nos
termos a regulamentar.
1 - Se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes:
a) Ao cônjuge ou a pessoa em união de facto: 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) Ao ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data do acidente e com direito a alimentos: a pensão estabelecida na alínea anterior e nos mesmos termos, até ao limite do montante dos alimentos fixados judicialmente;
c) Aos filhos, incluindo os nascituros e adoptados plena ou restritamente à data do acidente, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho: 20% da retribuição do sinistrado se for apenas um, 40% se forem dois, 50% se forem três ou mais, recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80% da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe;
d) Aos ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis à data do acidente até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento: a cada, 10% da retribuição do sinistrado, não podendo o total das pensões exceder 30% desta.
2 - Se não houver cônjuge, pessoa em união
de facto ou filhos com direito a pensão, os parentes incluídos
na alínea d) do número anterior e nas condições
nele referidas receberão, cada um, 15% da retribuição do
sinistrado, até perfazerem a idade de reforma por velhice, e 20% a partir
desta idade ou no caso de doença física ou mental que os incapacite
sensivelmente para o trabalho, não podendo o total das pensões
exceder 80% da remuneração do sinistrado, para o que se procederá
a rateio, se necessário.
3 - Qualquer das pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que contraia
casamento ou união de facto receberá, por uma só vez, o
triplo do valor da pensão anual, excepto se já tiver ocorrido
a remição total da pensão.
4 - Se por morte do sinistrado houver concorrência entre os beneficiários
referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1, é a pensão repartida
na proporção dos respectivos direitos.
5 - São equiparados aos filhos para efeito do disposto na alínea
c) do n.º 1 os enteados do sinistrado, desde que este estivesse obrigado à
prestação de alimentos, nos termos da alínea f) do n.º
1 do artigo 2009.º do Código Civil.
Artigo 21.º
Acumulação e rateio das pensões por morte
1 - As pensões referidas no artigo anterior são
acumuláveis, mas o seu total não poderá exceder 80% da
retribuição do sinistrado.
2 - Se as pensões referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo anterior
adicionadas às previstas nas alíneas a), b) e c) excederem 80%
da retribuição do sinistrado, serão as prestações
sujeitas a rateio, enquanto esse montante se mostrar excedido.
3 - Se o cônjuge sobrevivo falecer durante o período em que a pensão
é devida aos filhos, será esta aumentada, nos termos da parte
final da alínea c) do n.º 1 do artigo anterior.
4 - As pensões dos filhos do sinistrado serão, em cada mês,
as correspondentes ao número dos que, com direito a pensão, estiverem
vivos nesse mês.
Artigo 22.º
Subsídio por morte e despesas de funeral
1 - O subsídio por morte será igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, sendo atribuído:
a) Metade ao cônjuge ou à pessoa em união de facto e metade aos filhos que tiverem direito a pensão nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º;
b) Por inteiro ao cônjuge ou pessoa em união de facto, ou aos filhos previstos na alínea anterior, não sobrevivendo, em simultâneo, cônjuge ou pessoa em união de facto ou filhos.
2 - Se o sinistrado não deixar beneficiários
referidos no número anterior, não será devido subsídio
por morte.
3 - A reparação por despesas de funeral é igual a quatro
vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada,
aumentada para o dobro, se houver trasladação.
Artigo 23.º
Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente
A incapacidade permanente absoluta ou a incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70% confere direito a um subsídio igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, ponderado pelo grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez aos sinistrados nessas situações.
Artigo 24.º
Subsídio para readaptação
A incapacidade permanente absoluta confere direito ao pagamento das despesas suportadas com a readaptação de habitação, até ao limite de 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data do acidente.
Artigo 25.º
Revisão das prestações
1 - Quando se verifique modificação da capacidade
de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída
ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação,
ou de intervenção clínica ou aplicação de
prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão
profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas,
reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2 - A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos
posteriores à data da fixação da pensão, uma vez
em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3 - Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não
é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se
a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só
poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.
Artigo 26.º
Retribuição
1 - As indemnizações por incapacidade temporária
absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição
diária, ou na 30.ª parte da retribuição mensal ilíquida,
auferida à data do acidente, quando esta represente retribuição
normalmente recebida pelo sinistrado.
2 - As pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial,
serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida
normalmente recebida pelo sinistrado.
3 - Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera
como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente
que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar
o sinistrado por custos aleatórios.
4 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição
mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações
anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
5 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente não
representar a retribuição normal, será esta calculada pela
média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições
auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
Na falta destes elementos, o cálculo far-se-á segundo o prudente
arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços
prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6 - Na reparação emergente das doenças profissionais, as
indemnizações e pensões serão calculadas com base
na retribuição auferida pelo doente no ano anterior à cessação
da exposição ao risco, ou à data do diagnóstico
final da doença, se este a preceder.
7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, a pensão
a que este tem direito terá por base a retribuição anual
média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar
e categoria profissional correspondente à formação, aprendizagem
ou estágio.
8 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que
resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de
trabalho.
9 - O disposto no n.º 5 deste artigo é aplicável ao trabalho não
regular e aos trabalhadores a tempo parcial vinculados a mais de uma entidade
empregadora.
10 - A ausência ao trabalho para efectuar quaisquer exames com o fim de
caracterizar o acidente ou a doença, ou para o seu tratamento, ou ainda
para a aquisição, substituição ou arranjo de próteses,
não determina perda de retribuição.
CAPÍTULO III
Doenças profissionais
Artigo 27.º
Lista das doenças profissionais
1 - As doenças profissionais constam da lista organizada
e publicada no Diário da República, sob parecer da Comissão
Nacional de Revisão da Lista de Doenças Profissionais.
2 - A lesão corporal, perturbação funcional ou doença
não incluída na lista a que se refere o n.º 1 deste artigo é
indemnizável desde que se prove ser consequência, necessária
e directa, da actividade exercida e não represente normal desgaste do
organismo.
Artigo 28.º
Reparação das doenças profissionais
Há direito à reparação emergente de doenças profissionais previstas no n.º 1 do artigo anterior quando, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:
a) Estar o trabalhador afectado da correspondente doença profissional;
b) Ter estado o trabalhador exposto ao respectivo risco pela natureza da indústria, actividade ou condições, ambiente e técnicas do trabalho habitual.
Artigo 29.º
Avaliação, graduação e reparação das
doenças profissionais
A avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas a partir da entrada em vigor do presente diploma é da exclusiva responsabilidade do Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais.
CAPÍTULO IV
Disposições complementares
Artigo 30.º
Ocupação e despedimento durante a incapacidade temporária
1 - Durante o período de incapacidade temporária
parcial, as entidades empregadoras serão obrigadas a ocupar, nos termos
e na medida em que vierem a ser regulamentarmente estabelecidos, os trabalhadores
sinistrados em acidentes ao seu serviço em funções compatíveis
com o estado desses trabalhadores. A retribuição terá por
base a do dia do acidente, excepto se entretanto a retribuição
da categoria correspondente tiver sido objecto de alteração, caso
em que será esta a considerada, e nunca será inferior à
devida pela capacidade restante.
2 - O despedimento sem justa causa de trabalhador temporariamente incapacitado
em resultado de acidente de trabalho confere àquele, sem prejuízo
de outros direitos consagrados na lei aplicável, caso opte pela não
reintegração, o direito a uma indemnização igual
ao dobro da que lhe competiria por despedimento sem justa causa.
Artigo 31.º
Acidente originado por outro trabalhador ou terceiros
1 - Quando o acidente for causado por outros trabalhadores
ou terceiros, o direito à reparação não prejudica
o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.
2 - Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros
indemnização superior à devida pela entidade empregadora
ou seguradora, esta considera-se desonerada da respectiva obrigação
e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago
ou despendido.
3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes
for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência
do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade
será limitada àquele montante.
4 - A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização
pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos
no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização
no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5 - A entidade empregadora e a seguradora também são titulares
do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado
exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a
que se refere este artigo.
Artigo 32.º
Caducidade e prescrição
1 - O direito de acção respeitante às
prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar
da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do
evento resultar a morte, a contar desta.
2 - As prestações estabelecidas por decisão judicial, ou
pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais,
prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.
3 - O prazo de prescrição não começa a correr enquanto
os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação
das prestações.
Artigo 33.º
Remição de pensões
1 - Sem prejuízo do disposto na alínea d) do
n.º 1 do artigo 17.º, são obrigatoriamente remidas as pensões
vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados.
2 - Podem ser parcialmente remidas as pensões
vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30%, nos
termos a regulamentar, desde que a pensão sobrante seja igual ou superior
a 50% do valor da remuneração mínima mensal garantida mais
elevada.
Artigo 34.º
Nulidade dos actos contrários à lei
1 - É nula a convenção contrária
aos direitos ou às garantias conferidos nesta lei ou com eles incompatível.
2 - São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia
aos direitos conferidos nesta lei.
Artigo 35.º
Inalienabilidade, impenhorabilidade, irrenunciabilidade dos créditos
e privilégios creditórios
Os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por esta lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam dos privilégios creditórios consignados na lei geral como garantia das retribuições do trabalho, com preferência a estas na classificação legal.
Artigo 36.º
Proibição de descontos na retribuição
As entidades empregadoras não podem descontar qualquer quantia na retribuição dos trabalhadores ao seu serviço a título de compensação pelos encargos resultantes desta lei, sendo nulos os acordos realizados com esse objectivo.
Artigo 37.º
Sistema e unidade de seguro
1 - As entidades empregadoras são obrigadas a transferir
a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para
entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
2 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º,
n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora,
sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável
pelas prestações normais previstas na presente lei.
3 - Quando a retribuição declarada para efeito do prémio
de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é
responsável em relação àquela retribuição.
A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença
e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência
clínica e transporte, na respectiva proporção.
4 - Na regulamentação da presente lei são estabelecidas
providências destinadas a evitar fraudes, omissões ou insuficiências
nas declarações quanto ao pessoal e à retribuição,
que terá de ser declarada na sua totalidade, para cumprimento do disposto
no n.º 1 deste artigo.
Artigo 38.º
Apólice uniforme
1 - A apólice uniforme do
seguro de acidentes de trabalho adequada às diferentes profissões
e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos nesta lei
e respectiva legislação regulamentar, é aprovada pelo Instituto
de Seguros de Portugal, ouvidas as associações representativas
das empresas de seguros.
2 - A apólice uniforme obedecerá ao princípio da graduação
dos prémios de seguro em função do grau de risco do acidente,
tidas em conta a natureza da actividade e as condições de prevenção
implantadas nos locais de trabalho.
3 - É prevista na apólice uniforme a revisão do valor do
prémio, por iniciativa da seguradora ou a pedido da entidade empregadora,
com base na modificação efectiva das condições de
prevenção de acidentes nos locais de trabalho.
4 - São nulas as cláusulas adicionais que contrariem os direitos
ou garantias estabelecidos na apólice uniforme prevista neste artigo.
Artigo 39.º
Garantia e actualização de pensões
1 - A garantia do pagamento das pensões por incapacidade
permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária
estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela
entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente
caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente,
ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência,
desaparecimento ou impossibilidade de identificação, serão
assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia administrativa e financeira,
a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho, nos termos a regulamentar.
2 - Serão igualmente da responsabilidade do fundo criado no âmbito
do disposto no número anterior as actualizações de pensões
devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte.
3 - Quando se verifique a situação prevista no n.º 1, serão
ainda atribuídas ao fundo outras responsabilidades, designadamente no
que respeita a encargos com próteses e ao disposto no artigo 16.º, n.º
3, nos termos em que vierem a ser regulamentados.
4 - O fundo referido nos números anteriores constituir-se-á credor
da entidade economicamente incapaz, ou da respectiva massa falida, cabendo aos
seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação
idêntica à dos credores específicos de seguros.
5 - Se no âmbito de um processo de recuperação de empresa
esta se encontrar impossibilitada de pagar os prémios do seguro de acidentes
de trabalho dos respectivos trabalhadores, o gestor da empresa deverá
comunicar tal impossibilidade ao fundo referido nos números anteriores
60 dias antes do vencimento do contrato, por forma que o fundo, querendo, possa
substituir-se à empresa nesse pagamento, sendo neste caso aplicável
o disposto no n.º 4.
6 - As responsabilidades referidas nos números anteriores, no que respeita
às doenças profissionais, serão assumidas pelo Centro Nacional
de Protecção contra os Riscos Profissionais.
Artigo 40.º
Reabilitação
1 - Aos trabalhadores afectados de lesão ou doença
que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho, em consequência
de acidente de trabalho, será assegurada na empresa ao serviço
da qual ocorreu o acidente a ocupação em funções
compatíveis com o respectivo estado, nos termos que vierem a ser regulamentados.
2 - Aos trabalhadores referidos no número anterior é assegurada,
pela entidade empregadora, a formação profissional, a adaptação
do posto de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a licença para formação
ou novo emprego, nos termos em que vierem a ser regulamentados.
3 - O Governo criará serviços de adaptação ou readaptação
profissionais e de colocação, garantindo a coordenação
entre esses serviços e os já existentes, quer do Estado, quer
das instituições, quer de entidades empregadoras e seguradoras,
e utilizando estes tanto quanto possível.
Artigo 41.º
Produção de efeitos
1 - Esta lei produz efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a regulamentar e será aplicável:
a) Aos acidentes de trabalho que ocorrerem após aquela entrada em vigor;
b) Às doenças profissionais cujo diagnóstico final se faça após a data referida na alínea anterior.
2 - O diploma regulamentar referido no número anterior estabelecerá o regime transitório, a aplicar:
a) À remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no artigo 33.º, n.º 2;
b) Ao fundo existente no âmbito previsto no artigo 39.º
3 - A presente lei será regulamentada no prazo máximo de 180 dias a contar da sua publicação.
Artigo 42.º
Disposição revogatória
É revogada, com a entrada em vigor do decreto-lei previsto no artigo anterior, a Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e toda a legislação complementar.
Aprovada em 31 de Julho de 1997.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Promulgada em 25 de Agosto de 1997.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 28 de Agosto de 1997.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.