Assembleia da República
Lei n.º 48/90
de 24 de Agosto
Lei de Bases da Saúde
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), 168.º, n.º 1, alínea f), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Base I
Princípios gerais
1 - A protecção da saúde constitui um
direito dos indivíduos e da comunidade que se efectiva pela responsabilidade
conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, em liberdade de procura
e de prestação de cuidados, nos termos da Constituição
e da lei.
2 - O Estado promove e garante o acesso de todos os cidadãos aos cuidados
de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros
disponíveis.
3 - A promoção e a defesa da saúde pública são
efectuadas através da actividade do Estado e de outros entes públicos,
podendo as organizações da sociedade civil ser associadas àquela
actividade.
4 - Os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos
do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos
ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos.
Base II
Política de saúde
1 - A política de saúde tem âmbito nacional e obedece às directrizes seguintes:
a) A promoção da saúde e a prevenção
da doença fazem parte das prioridades no planeamento das actividades
do Estado;
b) É objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no
acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição
económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição
de recursos e na utilização de serviços;
c) São tomadas medidas especiais relativamente a grupos sujeitos a
maiores riscos, tais como as crianças, os adolescentes, as grávidas,
os idosos, os deficientes, os toxicodependentes e os trabalhadores cuja profissão
o justifique;
d) Os serviços de saúde estruturam-se e funcionam de acordo
com o interesse dos utentes e articulam-se entre si e ainda com os serviços
de segurança e bem-estar social;
e) A gestão dos recursos disponíveis deve ser conduzida por
forma a obter deles o maior proveito socialmente útil e a evitar o
desperdício e a utilização indevida dos serviços;
f) É apoiado o desenvolvimento do sector privado da saúde e,
em particular, as iniciativas das instituições particulares
de solidariedade social, em concorrência com o sector público;
g) É promovida a participação dos indivíduos e
da comunidade organizada na definição da política de
saúde e planeamento e no controlo do funcionamento dos serviços;
h) É incentivada a educação das populações
para a saúde, estimulando nos indivíduos e nos grupos sociais
a modificação dos comportamentos nocivos à saúde
pública ou individual;
i) É estimulada a formação e a investigação
para a saúde, devendo procurar-se envolver os serviços, os profissionais
e a comunidade.
2 - A política de saúde tem carácter evolutivo, adaptando-se permanentemente às condições da realidade nacional, às suas necessidades e aos seus recursos.
Base III
Natureza da legislação sobre saúde
A legislação sobre saúde é de interesse e ordem públicos, pelo que a sua inobservância implica responsabilidade penal, contra-ordenacional, civil e disciplinar, conforme o estabelecido na lei.
Base IV
Sistema de saúde e outras entidades
1 - O sistema de saúde visa a efectivação
do direito à protecção da saúde.
2 - Para efectivação do direito à protecção
da saúde, o Estado actua através de serviços próprios,
celebra acordos com entidades privadas para a prestação de cuidados
e apoia e fiscaliza a restante actividade privada na área da saúde.
3 - Os cidadãos e as entidades públicas e privadas devem colaborar
na criação de condições que permitam o exercício
do direito à protecção da saúde e a adopção
de estilos de vida saudáveis.
Base V
Direitos e deveres dos cidadãos
1 - Os cidadãos são os primeiros responsáveis
pela sua própria saúde, individual e colectiva, tendo o dever
de a defender e promover.
2 - Os cidadãos têm direito a que os serviços públicos
de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos
interesses.
3 - É reconhecida a liberdade de prestação de cuidados
de saúde, com as limitações decorrentes da lei, designadamente
no que respeita a exigências de qualificação profissional.
4 - A liberdade de prestação de cuidados de saúde abrange
a faculdade de se constituírem entidades sem ou com fins lucrativos que
visem aquela prestação.
5 - É reconhecida a liberdade de escolha no acesso à rede nacional
de prestação de cuidados de saúde, com as limitações
decorrentes dos recursos existentes e da organização dos serviços.
Base VI
Responsabilidade do Estado
1 - O Governo define a política de saúde.
2 - Cabe ao Ministério da Saúde propor a definição
da política nacional de saúde, promover e vigiar a respectiva
execução e coordenar a sua acção com a dos ministérios
que tutelam áreas conexas.
3 - Todos os departamentos, especialmente os que actuam nas áreas específicas
da segurança e bem-estar social, da educação, do emprego,
do desporto, do ambiente, da economia, do sistema fiscal, da habitação
e do urbanismo, devem ser envolvidos na promoção da saúde.
4 - Os serviços centrais do Ministério da Saúde exercem,
em relação ao Serviço Nacional de Saúde, funções
de regulamentação, orientação, planeamento, avaliação
e inspecção.
Base VII
Conselho Nacional de Saúde
1 - O Conselho Nacional de Saúde representa os interessados
no funcionamento das entidades prestadoras de cuidados de saúde e é
um órgão de consulta do Governo.
2 - O Conselho Nacional de Saúde inclui representantes dos utentes, nomeadamente
dos subsistemas de saúde, dos seus trabalhadores, dos departamentos governamentais
com áreas de actuação conexas e de outras entidades.
3 - Os representantes dos utentes são eleitos pela Assembleia da República.
4 - A composição, a competência e o funcionamento do Conselho
Nacional de Saúde constam da lei.
Base VIII
Regiões autónomas
1 - Nas Regiões Autónomas dos Açores e
da Madeira a política de saúde é definida e executada pelos
órgãos do governo próprio, em obediência aos princípios
estabelecidos pela Constituição da República e pela presente
lei.
2 - A presente lei é aplicável às Regiões Autónomas
dos Açores e da Madeira, que devem publicar regulamentação
própria em matéria de organização, funcionamento
e regionalização dos serviços de saúde.
Base IX
Autarquias locais
Sem prejuízo de eventual transferência de competências, as autarquias locais participam na acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, intervêm na definição das linhas de actuação em que estejam directamente interessadas e contribuem para a sua efectivação dentro das suas atribuições e responsabilidades.
Base X
Relações internacionais
1 - Tendo em vista a indivisibilidade da saúde na comunidade
internacional, o Estado Português reconhece as consequentes interdependências
sanitárias a nível mundial e assume as respectivas responsabilidades.
2 - O Estado Português apoia as organizações internacionais
de saúde de reconhecido prestígio, designadamente a Organização
Mundial de Saúde, coordena a sua política com as grandes orientações
dessas organização e garante o cumprimento dos compromissos internacionais
livremente assumidos.
3 - Como Estado membro das Comunidades Europeias, Portugal intervém na
tomada de decisões em matéria de saúde a nível comunitário,
participa nas acções que se desenvolvem a esse nível e
assegura as medidas a nível interno decorrentes de tais decisões.
4 - Em particular, Portugal defende o progressivo incremento da acção
comunitária visando a melhoria da saúde pública, especialmente
nas regiões menos favorecidas e no quadro do reforço da coesão
económica e social fixado pelo Acto Único Europeu.
5 - É estimulada a cooperação com outros países,
no âmbito da saúde, em particular com os países africanos
de língua oficial portuguesa.
Base XI
Defesa sanitária das fronteiras
1 - O Estado Português promove a defesa sanitária
das suas fronteiras, com respeito pelas regras gerais emitidas pelos organismos
competentes.
2 - Em especial, cabe aos organismos competentes estudar, propor, executar e
fiscalizar as medidas necessárias para prevenir a importação
ou exportação das doenças submetidas ao Regulamento Sanitário
Internacional, enfrentar a ameaça de expansão de doenças
transmissíveis e promover todas as operações sanitárias
exigidas pela defesa da saúde da comunidade internacional.
CAPÍTULO II
Das entidades prestadoras dos cuidados de saúde em geral
Base XII
Sistema de saúde
1 - O sistema de saúde é constituído pelo
Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas
que desenvolvam actividades de promoção, prevenção
e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades
privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira a prestação
de todas ou de algumas daquelas actividades.
2 - O Serviço Nacional de Saúde abrange todas as instituições
e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde dependentes
do Ministério da Saúde e dispõe de estatuto próprio.
3 - O Ministério da Saúde e as administrações
regionais de saúde podem contratar com entidades privadas a prestação
de cuidados de saúde aos beneficiários do Serviço Nacional
de Saúde sempre que tal se afigure vantajoso, nomeadamente face à
consideração do binómio qualidade-custos, e desde que esteja
garantido o direito de acesso.
4 - A rede nacional de prestação de cuidados de saúde abrange
os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e os estabelecimentos
privados e os profissionais em regime liberal com quem sejam celebrados contratos
nos termos do número anterior.
5 - Tendencialmente, devem ser adoptadas as mesmas regras no pagamento de cuidados
e no financiamento de unidades de saúde da rede nacional da prestação
de cuidados de saúde.
6 - O controlo de qualidade de toda a prestação de cuidados de
saúde está sujeito ao mesmo nível de exigência.
Base XIII
Níveis de cuidados de saúde
1 - O sistema de saúde assenta nos cuidados de saúde
primários, que devem situar-se junto das comunidades.
2 - Deve ser promovida a intensa articulação entre os vários
níveis de cuidados de saúde, reservando a intervenção
dos mais diferenciados para as situações deles carecidas e garantindo
permanentemente a circulação recíproca e confidencial da
informação clínica relevante sobre os utentes.
1 - Os utentes têm direito a:
a) Escolher, no âmbito do sistema de saúde e
na medida dos recursos existentes e de acordo com as regras de organização,
o serviço e agentes prestadores;
b) Decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes
é proposta, salvo disposição especial da lei;
c) Ser tratados pelos meios adequados, humanamente e com prontidão,
correcção técnica, privacidade e respeito;
d) Ter rigorosamente respeitada a confidencialidade sobre os dados pessoais
revelados;
e) Ser informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis
de tratamento e a evolução provável do seu estado;
f) Receber, se o desejarem, assistência religiosa;
g) Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for
caso disso, a receber indemnização por prejuízos sofridos;
h) Constituir entidades que os representem e defendam os seus interesses;
i) Constituir entidades que colaborem com o sistema de saúde, nomeadamente
sob a forma de associações para a promoção e defesa
da saúde ou de grupos de amigos de estabelecimentos de saúde.
2 - Os utentes devem:
a) Respeitar os direitos dos outros utentes;
b) Observar as regras sobre a organização e o funcionamento
dos serviços e estabelecimentos;
c) Colaborar com os profissionais de saúde em relação
à sua própria situação;
d) Utilizar os serviços de acordo com as regras estabelecidas;
e) Pagar os encargos que derivem da prestação dos cuidados de
saúde, quando for caso disso.
3 - Relativamente a menores e incapazes, a lei deve prever as condições em que os seus representantes legais podem exercer os direitos que lhes cabem, designadamente o de recusarem a assistência, com observância dos princípios constitucionalmente definidos.
Base XV
Profissionais de saúde
1 - A lei estabelece os requisitos indispensáveis ao
desempenho de funções e os direitos e deveres dos profissionais
de saúde, designadamente os de natureza deontológica, tendo em
atenção a relevância social da sua actividade.
2 - A política de recursos humanos para a saúde visa satisfazer
as necessidades da população, garantir a formação,
a segurança e o estímulo dos profissionais, incentivar a dedidação
plena, evitando conflitos de interesse entre a actividade pública e a
actividade privada, facilitar a mobilidade entre o sector público e o
sector privado e procurar uma adequada cobertura no território nacional.
3 - O Ministério da Saúde organiza um registo nacional de todos
os profissionais de saúde, com exclusão daqueles cuja inscrição
seja obrigatória numa associação profissional de direito
público.
4 - A inscrição obrigatória referida no número anterior
é da responsabilidade da respectiva associação profissional
de direito público e funciona como registo nacional dos profissionais
nela inscritos, sendo facultada ao Ministério da Saúde sempre
que por este solicitada.
Base XVI
Formação do pessoal de saúde
1 - A formação e o aperfeiçoamento profissional,
incluindo a formação permanente, do pessoal de saúde constituem
um objectivo fundamental a prosseguir.
2 - O Ministério da Saúde colabora com o Ministério da
Educação nas actividades de formação que estiverem
a cargo deste, designadamente facultando nos seus serviços campos de
ensino prático e de estágios, e prossegue as actividades que lhe
estiverem cometidas por lei nesse domínio.
3 - A formação do pessoal deve assegurar uma qualificação
técnico-científica tão elevada quanto possível tendo
em conta o ramo e o nível do pessoal em causa, despertar nele o sentido
da responsabilidade profissional, sem esquecer a preocupação da
melhor utilização dos recursos disponíveis, e, em todos
os casos, orientar-se no sentido de incutir nos profissionais o respeito pela
vida e pelos direitos das pessoas e dos doentes como o primeiro dever que lhes
cumpre observar.
Base XVII
Investigação
1 - É apoiada a investigação com interesse
para a saúde, devendo ser estimulada a colaboração neste
domínio entre os serviços do Ministério da Saúde
e as universidades, a Junta Nacional de Investigação Científica
e Tecnológica e outras entidades, públicas ou privadas.
2 - Em particular, deve ser promovida a participação portuguesa
em programas de investigação no campo da saúde levados
a efeito no âmbito das Comunidades Europeias.
3 - As acções de investigação a apoiar devem sempre
observar, como princípio orientador, o de que a vida humana é
o valor máximo a promover e a salvaguardar em quaisquer circunstâncias.
Base XVIII
Organização do território para o sistema de saúde
1 - A organização do sistema de saúde
baseia-se na divisão do território nacional em regiões
de saúde.
2 - As regiões de saúde são dotadas de meios de acção
bastantes para satisfazer autonomamente as necessidades correntes de saúde
dos seus habitantes, podendo, quando necessário, ser estabelecidos acordos
inter-regionais para a utilização de determinados recursos.
3 - As regiões podem ser divididas em sub-regiões de saúde,
de acordo com as necessidades das populações e a operacionalidade
do sistema.
4 - Cada concelho constitui uma área de saúde, mas podem algumas
localidades ser incluídas em áreas diferentes das dos concelhos
a que pertençam quando se verifique que tal é indispensável
para tornar mais rápida e cómoda a prestação dos
cuidados de saúde.
5 - As grandes aglomerações urbanas podem ter organização
de saúde própria a estabelecer em lei, tomando em conta as respectivas
condições demográficas e sanitárias.
Base XIX
Autoridades de saúde
1 - As autoridades de saúde situam-se a nível
nacional, regional e concelhio, para garantir a intervenção oportuna
e discricionária do Estado em situações de grave risco
para a saúde pública, e estão hierarquicamente dependentes
do Ministro da Saúde, através do director-geral competente.
2 - As autoridades de saúde têm funções de vigilância
das decisões dos órgãos e serviços executivos do
Estado em matéria de saúde pública, podendo suspendê-las
quando as considerem prejudiciais.
3 - Cabe ainda especialmente às autoridades de saúde:
a) Vigiar o nível sanitário dos aglomerados
populacionais, dos serviços, estabelecimentos e locais de utilização
pública para defesa da saúde pública;
b) Ordenar a suspensão de actividade ou o encerramento dos serviços,
estabelecimentos e locais referidos na alínea anterior, quando funcionem
em condições de grave risco para a saúde pública;
c) Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento
ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a indivíduos
em situação de prejudicarem a saúde pública;
d) Exercer a vigilância sanitária das fronteiras;
e) Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos
e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações
semelhantes.
4 - As funções de autoridade de saúde
são independentes das de natureza operativa dos serviços de saúde
e são desempenhadas por médicos, preferencialmente da carreira
de saúde pública.
5 - Das decisões das autoridades de saúde há sempre recurso
hierárquico e contencioso nos termos da lei.
Base XX
Situações de grave emergência
1 - Quando ocorram situações de catástrofe
ou de outra grave emergência de saúde, o Ministro da Saúde
toma as medidas de excepção que forem indispensáveis, coordenando
a actuação dos serviços centrais do Ministério com
os órgãos do Serviço Nacional de Saúde e os vários
escalões das autoridades de saúde.
2 - Sendo necessário, pode o Governo, nas situações referidas
no n.º 1, requisitar, pelo tempo absolutamente indispensável, os profissionais
e estabelecimentos de saúde em actividade privada.
Base XXI
Actividade farmacêutica
1 - A actividade farmacêutica abrange a produção,
comercialização, importação e exportação
de medicamentos e produtos medicamentosos.
2 - A actividade farmacêutica tem legislação especial e
fica submetida à disciplina e fiscalização conjuntas dos
ministérios competentes, de forma a garantir a defesa e a protecção
da saúde, a satisfação das necessidades da população
e a racionalização do consumo de medicamentos e produtos medicamentosos.
3 - A disciplina referida no número anterior incide sobre a instalação
de equipamentos produtores e os estabelecimentos distribuidores de medicamentos
e produtos medicamentosos e o seu funcionamento.
Base XXII
Ensaios clínicos de medicamentos
Os ensaios clínicos de medicamentos são sempre realizados sob direcção e responsabilidade médica, segundo regras a definir em diploma próprio.
Base XXIII
Outras actividades complementares
1 - Estão sujeitas a regras próprias e à
disciplina e inspecção do Ministério da Saúde, e,
sendo caso disso, dos outros ministérios competentes, as actividades
que se destinem a facultar meios materiais ou de organização indispensáveis
à prestação de cuidados de saúde, mesmo quando desempenhadas
pelo sector privado.
2 - Incluem-se, nomeadamente, nas actividades referidas no número anterior
a colheita e distribuição de produtos biológicos, a produção
e distribuição de bens e produtos alimentares, a produção,
a comercialização e a instalação de equipamentos
e bens de saúde, o estabelecimento e exploração de seguros
de saúde e o transporte de doentes.
CAPÍTULO III
Do Serviço Nacional de Saúde
Base XXIV
Características
O Serviço Nacional de Saúde caracteriza-se por:
a) Ser universal quanto à população
abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos;
d) Garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os
efeitos das desigualdades económicas, geográficas e quaisquer
outras no acesso aos cuidados;
e) Ter organização regionalizada e gestão descentralizada
e participada.
Base XXV
Beneficiários
1 - São beneficiários do Serviço Nacional
de saúde todos os cidadãos portugueses.
2 - São igualmente beneficiários do Serviço Nacional de
Saúde os cidadãos nacionais de Estados membros das Comunidades
Europeias, nos termos das normas comunitárias aplicáveis.
3 - São ainda beneficiários do Serviço Nacional de saúde
os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, em condições
de reciprocidade, e os cidadãos apátridas residentes em Portugal.
Base XXVI
Organização do Serviço Nacional de Saúde
1 - O Serviço Nacional de Saúde é tutelado
pelo Ministro da Saúde e é administrado a nível de cada
região de saúde pelo conselho de administração da
respectiva administração regional de saúde.
2 - Em cada sub-região existe um coordenador sub-regional de saúde
e em cada concelho uma comissão concelhia de saúde.
Base XXVII
Administrações regionais de saúde
1 - As administrações regionais de saúde
são responsáveis pela saúde das populações
da respectiva área geográfica, coordenam a prestação
de cuidados de saúde de todos os níveis e adeqúam os recursos
disponíveis às necessidades, segundo a política superiormente
definida e de acordo com as normas e directivas emitidas pelo Ministério
da Saúde.
2 - As administrações regionais de saúde são dirigidas
por um conselho de administração, cuja composição
é definida por lei.
3 - Cabe em especial ao conselho de administração das administrações
regionais de saúde:
a) Propor os planos de actividade e o orçamento respectivo,
acompanhar a sua execução e deles prestar contas;
b) Orientar, coordenar e acompanhar a gestão do Serviço Nacional
de Saúde a nível regional;
c) Representar o Serviço Nacional de Saúde em juízo e
fora dele, a nível da região respectiva;
d) Regular a procura entre os estabelecimentos e serviços da região
e orientar, coordenar e acompanhar o respectivo funcionamento, sem prejuízo
da autonomia de gestão destes consagrada na lei;
e) Contratar com entidades privadas a prestação de cuidados
de saúde aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde
na respectiva região, sem prejuízo de acordos de âmbito
nacional sobre a mesma matéria;
f) Avaliar permanentemente os resultados obtidos;
g) Coordenar o transporte de doentes, incluindo o que esteja a cargo de entidades
privadas.
Base XXVIII
Coordenador sub-regional de saúde
Ao coordenador sub-regional de saúde cabe coadjuvar a administração regional no exercício das suas funções no âmbito da sub-região e exercer as funções que o conselho de administração da administração regional nele delegar.
Base XXIX
Comissões concelhias de saúde
As comissões concelhias de saúde são órgãos consultivos das administrações regionais de saúde em relação a cada concelho da respectiva área de actuação.
1 - O funcionamento do Serviço Nacional de Saúde
está sujeito a avaliação permanente, baseada em informações
de natureza estatística, epidemiológica e administrativa.
2 - É igualmente colhida informação sobre a qualidade dos
serviços, o seu grau de aceitação pela população
utente, o nível de satisfação dos profissionais e a razoabilidade
da utilização dos recursos em termos de custos e benefícios.
3 - Esta informação é tratada em sistema completo e integrado
que abrange todos os níveis e todos os órgãos e serviços.
Base XXXI
Estatuto dos profissionais de saúde do Serviço Nacional de Saúde
1 - Os profissionais de saúde que trabalham no Serviço
Nacional de Saúde estão submetidos às regras próprias
da Administração Pública e podem constituir-se em corpos
especiais.
(Ver nova redacção dada pelo artigo
1.º da Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro).
2 - A lei estabelece, na medida do que seja necessário, as regras próprias
sobre o estatuto dos profissionais de saúde, o qual deve ser adequado
ao exercício das funções e delimitado pela ética
e deontologia profissionais.
3 - Aos profissionais dos quadros do Serviço Nacional de Saúde
é permitido, sem prejuízo das normas que regulam o regime de trabalho
de dedicação exclusiva, exercer a actividade privada, não
podendo dela resultar para o Serviço Nacional de Saúde qualquer
responsabilidade pelos encargos resultantes dos cuidados por esta forma prestados
aos seus beneficiários.
4 - É assegurada formação permanente aos profissionais
de saúde.
Base XXXII
Médicos
1 - Ao pessoal médico cabe no Serviço Nacional
de Saúde particular relevo e responsabilidade.
2 - É definido na lei o conceito de acto médico.
3 - O ingresso dos médicos e a sua permanência no Serviço
Nacional de Saúde dependem de inscrição na Ordem dos Médicos.
4 - É reconhecida à Ordem dos Médicos a função
de definição da deontologia médica, bem como a de participação,
em termos a regulamentar, na definição da qualidade técnica
mesmo para os actos praticados no âmbito do Serviço Nacional de
Saúde, estando-lhe também cometida a fiscalização
do exercício livre da actividade médica.
5 - A lei regula com a mesma dignidade as carreiras médicas, independentemente
de serem estruturadas de acordo com a diferenciação profissional.
6 - A lei pode prever que os médicos da carreira hospitalar sejam autorizados
a assistir, nos hospitais, os seus doentes privados, em termos a regulamentar.
7 - Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde
podem contratar para tarefas específicas médicos do sector privado
especialmente qualificados.
1 - O Serviço Nacional de Saúde é financiado
pelo Orçamento do Estado.
(Ver nova redacção dada pelo artigo
1.º da Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro).
2 - Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde
podem cobrar as seguintes receitas, a inscrever nos seus orçamentos próprios:
a) O pagamento de cuidados em quarto particular ou outra
modalidade não prevista para a generalidade dos utentes;
b) O pagamento de cuidados por parte de terceiros responsáveis, legal
ou contratualmente, nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades
seguradoras;
c) O pagamento de cuidados prestados a não beneficiários do
Serviço Nacional de Saúde quando não há terceiros
responsáveis;
d) O pagamento de taxas por serviços prestados ou utilização
de instalações ou equipamentos nos termos legalmente previstos;
e) O produto de rendimentos próprios;
f) O produto de benemerências ou doações;
g) O produto da efectivação de responsabilidade dos utentes
por infracções às regras da organização
e do funcionamento do sistema e por uso doloso dos serviços e do material
de saúde.
Base XXXIV
Taxas moderadoras
1 - Com o objectivo de completar as medidas reguladoras do
uso dos serviços de saúde, podem ser cobradas taxas moderadoras,
que constituem também receita do Serviço Nacional de Saúde.
2 - Das taxas referidas no número anterior são isentos os grupos
populacionais sujeitos a maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos,
nos termos determinados na lei.
Base XXXV
Benefícios
1 - A lei pode especificar as prestações garantidas
aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde ou excluir
do objecto dessas prestações cuidados não justificados
pelo estado de saúde.
2 - Só em circunstâncias excepcionais em que seja impossível
garantir em Portugal o tratamento nas condições exigíveis
de segurança e em que seja possível fazê-lo no estrangeiro,
o Serviço Nacional de Saúde suporta as respectivas despesas.
Base XXXVI
Gestão dos hospitais e centros de saúde
1 - A gestão das unidades de saúde deve obedecer,
na medida do possível, a regras de gestão empresarial e a lei
pode permitir a realização de experiências inovadoras de
gestão, submetidas a regras por ela fixadas.
2 - Nos termos a estabelecer em lei, pode ser autorizada a entrega, através
de contratos de gestão, de hospitais ou centros de saúde do Serviço
Nacional de saúde a outras entidades ou, em regime de convenção,
a grupos de médicos.
3 - A lei pode prever a criação
de unidades de saúde com a natureza de sociedades anónimas de
capitais públicos.
(Aditado pelo artigo 1.º
da Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro).
CAPÍTULO IV
Das iniciativas particulares de saúde
Base XXXVII
Apoio ao sector privado
1 - O Estado apoia o desenvolvimento do sector privado de prestação
de cuidados de saúde, em função das vantagens sociais decorrentes
das iniciativas em causa e em concorrência com o sector público.
2 - O apoio pode traduzir-se, nomeadamente, na facilitação da
mobilidade do pessoal do Serviço Nacional de saúde que deseje
trabalhar no sector privado, na criação de incentivos à
criação de unidades privadas e na reserva de quotas de leitos
de internamento em cada região de saúde.
Base XXXVIII
Instituições particulares de solidariedade social com objectivos
de saúde
1 - As instituições particulares de solidariedade
social com objectivos específicos de saúde intervêm na acção
comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, de acordo com
a legislação que lhes é própria e a presente lei.
2 - As instituições particulares de solidariedade social ficam
sujeitas, no que respeita às suas actividades de saúde, ao poder
orientador e de inspecção dos serviços competentes do Ministério
da Saúde, sem prejuízo da independência de gestão
estabelecida na Constituição e na sua legislação
própria.
3 - Para além do apoio referido no n.º 2 da base XXXVII, os serviços
de saúde destas instituições podem ser subsidiados financeiramente
e apoiados tecnicamente pelo Estado e pelas autarquias locais.
Base XXXIX
Organizações de saúde com fins lucrativos
1 - As organizações privadas com objectivos de
saúde e fins lucrativos estão sujeitas a licenciamento, regulamentação
e vigilância de qualidade por parte do Estado.
2 - A hospitalização privada, em especial, actua em articulação
com o Serviço Nacional de Saúde.
3 - Compreendem-se na hospitalização privada não apenas
as clínicas ou casas de saúde, gerais ou especializadas, mas ainda
os estabelecimentos termais com internamento não pertencentes ao Estado
ou às autarquias locais.
Base XL
Profissionais de saúde em regime liberal
1 - Os profissionais de saúde que asseguram cuidados
em regime de profissão liberal desempenham função de importância
social reconhecida e protegida pela lei.
2 - O exercício de qualquer profissão que implique a prestação
de cuidados de saúde em regime liberal é regulamentado e fiscalizado
pelo Ministério da Saúde, sem prejuízo das funções
cometidas à Ordem dos Médicos e à Ordem dos Farmacêuticos.
(Ver nova redacção dada pelo artigo
1.º da Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro).
3 - O Serviço Nacional de Saúde, os médicos, os farmacêuticos
e outros profissionais de saúde em exercício liberal devem prestar-se
apoio mútuo.
4 - Os profissionais de saúde em regime liberal devem ser titulares de
seguro contra os riscos decorrentes do exercício das suas funções.
Base XLI
Convenções
1 - No quadro estabelecido pelo n.º
3 da base XII, podem ser celebradas convenções com médicos
e outros profissionais de saúde ou casas de saúde, clínicas
ou hospitais privados, quer a nível de cuidados de saúde primários
quer a nível de cuidados diferenciados.
2 - A lei estabelece as condições de celebração
de convenções e, em particular, as garantias das entidades convencionadas.
Base XLII
Seguros de saúde
A lei fixa incentivos ao estabelecimento de seguros de saúde.
CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias
Base XLIII
Regulamentação
1 - O Governo deve desenvolver em
decretos-leis as bases da presente lei que não sejam imediatamente aplicáveis.
2 - As administrações regionais de saúde devem ser progressivamente
implantadas, podendo, numa fase inicial, abranger só parte da zona total
ou parte dos serviços prestadores de cuidados.
Base XLIV
Regime transitório
As convenções celebradas com profissionais do Serviço Nacional de Saúde mantêm-se transitoriamente, nos termos dos respectivos contratos, em condições e por período que vierem a ser estabelecidos em diploma regulamentar,
Base XLV
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Aprovada em 12 de Julho de 1990.
O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereiro Crespo.
Promulgada em 31 de Julho de 1990.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 3 de Agosto de 1990.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.