Lei n.º 27/96
de 1 de Agosto
Regime jurídico da tutela administrativa
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito
1 - A presente lei estabelece o regime jurídico da tutela
administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas,
bem como o respectivo regime sancionatório.
2 - Para efeitos do presente diploma são consideradas entidades equiparadas
a autarquias locais as áreas metropolitanas, as assembleias distritais
e as associações de municípios de direito público.
Artigo 2.º
Objecto
A tutela administrativa consiste na verificação do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos e dos serviços das autarquias locais e entidades equiparadas.
Artigo 3.º
Conteúdo
1 - A tutela administrativa exerce-se através da realização
de inspecções, inquéritos e sindicâncias.
2 - No âmbito deste diploma:
a) A inspecção consiste na verificação
da conformidade dos actos e contratos dos órgãos e serviços
com a lei;
b) O inquérito consiste na verificação da legalidade
dos actos e contratos concretos dos órgãos e serviços
resultante de fundada denúncia apresentada por quaisquer pessoas singulares
ou colectivas ou de inspecção;
c) A sindicância consiste numa indagação aos serviços
quando existam sérios indícios de ilegalidades de actos de órgãos
e serviços que, pelo seu volume e gravidade, não devam ser averiguados
no âmbito de inquérito.
Artigo 4.º
Deveres de informação e cooperação
Os órgãos e serviços objecto de acções de tutela administrativa encontram-se vinculados aos deveres de informação e cooperação.
Artigo 5.º
Titularidade dos poderes de tutela
A tutela administrativa compete ao Governo, sendo assegurada, de forma articulada, pelos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, no âmbito das respectivas competências.
Artigo 6.º
Realização de acções inspectivas
1 - As inspecções são realizadas regularmente
através dos serviços competentes, de acordo com o plano anual
superiormente aprovado.
2 - Os inquéritos e as sindicâncias são determinados pelo
competente membro do Governo, sempre que se verifiquem os pressupostos da sua
realização.
3 - Os relatórios das acções inspectivas são apresentados
para despacho do competente membro do Governo, que, se for caso disso, os remeterá
para o representante do Ministério Público legalmente competente.
4 - Estando em causa situações susceptíveis
de fundamentar a dissolução de órgãos autárquicos
ou de entidades equiparadas, ou a perda de mandato dos seus titulares, o membro
do Governo deve determinar, previamente, a notificação dos visados
para, no prazo de 30 dias, apresentarem, por escrito, as alegações
tidas por convenientes, juntando os documentos que considerem relevantes.
5 - Sem prejuízo do disposto no número
anterior, sempre que esteja em causa a dissolução de um órgão
executivo, deve também ser solicitado parecer ao respectivo órgão
deliberativo, que o deverá emitir por escrito no prazo de 30 dias.
6 - Apresentadas as alegações ou emitido o parecer a que aludem,
respectivamente, os n.os 4 e 5, ou decorrido o prazo para tais efeitos, deverá
o membro do Governo competente, no prazo máximo de 60 dias, dar cumprimento,
se for caso disso, ao disposto no n.º 3.
Artigo 7.º
Sanções
A prática, por acção ou omissão, de ilegalidades no âmbito da gestão das autarquias locais ou no da gestão de entidades equiparadas pode determinar, nos termos previstos na presente lei, a perda do respectivo mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por membros de órgãos, ou a dissolução do órgão, se forem o resultado da acção ou omissão deste.
Artigo 8.º
Perda de mandato
1 - Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que:
a) Sem motivo justificativo, não compareçam
a 3 sessões ou 6 reuniões seguidas ou a 6 sessões ou
12 reuniões interpoladas;
b) Após a eleição, sejam colocados em situação
que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos
elementos reveladores de uma situação de inelegibilidade já
existente, e ainda subsistente, mas não detectada previamente à
eleição;
c) Após a eleição se inscrevam em partido diverso daquele
pelo qual foram apresentados a sufrágio eleitoral;
d) Pratiquem ou sejam individualmente responsáveis pela prática
dos actos previstos no artigo seguinte.
2 - Incorrem, igualmente, em perda de mandato os membros dos
órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções,
ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, acto ou contrato
de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento
legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para
outrem.
3 - Constitui ainda causa de perda de mandato a verificação, em
momento posterior ao da eleição, de prática, por acção
ou omissão, em mandato imediatamente anterior, dos factos referidos na
alínea d) do n.º 1 e no n.º 2 do presente artigo.
Artigo 9.º
Dissolução de órgãos
Qualquer órgão autárquico ou de entidade equiparada pode ser dissolvido quando:
a) Sem causa legítima de inexecução,
não dê cumprimento às decisões transitadas em julgado
dos tribunais;
b) Obste à realização de inspecção, inquérito
ou sindicância, à prestação de informações
ou esclarecimentos e ainda quando recuse facultar o exame aos serviços
e a consulta de documentos solicitados no âmbito do procedimento tutelar
administrativo;
c) Viole culposamente instrumentos de ordenamento do território ou
de planeamento urbanístico válidos e eficazes;
d) Em matéria de licenciamento urbanístico exija, de forma culposa,
taxas, mais-valias, contrapartidas ou compensações não
previstas na lei;
e) Não elabore ou não aprove o orçamento de forma a entrar
em vigor no dia 1 de Janeiro de cada ano, salvo ocorrência de facto
julgado justificativo;
f) Não aprecie ou não apresente a julgamento, no prazo legal,
as respectivas contas, salvo ocorrência de facto julgado justificativo;
g) Os limites legais de endividamento da autarquia sejam ultrapassados, salvo
ocorrência de facto julgado justificativo ou regularização
superveniente;
h) Os limites legais dos encargos com o pessoal sejam ultrapassados, salvo
ocorrência de facto não imputável ao órgão
visado;
i) Incorra, por acção ou omissão dolosas, em ilegalidade
grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.
Artigo 10.º
Causas de não aplicação da sanção
1 - Não haverá lugar à perda de mandato
ou à dissolução de órgão autárquico
ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo
dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se
encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam
a culpa dos agentes.
2 - O disposto no número anterior não afasta responsabilidades
de terceiros que eventualmente se verifiquem.
Artigo 11.º
Decisões de perda de mandato e de dissolução
1 - As decisões de perda do mandato e de dissolução
de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são
da competência dos tribunais administrativos de círculo.
2 - As acções para perda de mandato ou de dissolução
de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são
interpostas pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão
de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha
interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da
procedência da acção.
3 - O Ministério Público tem o dever funcional de propor as acções
referidas nos números anteriores no prazo máximo de 20 dias após
o conhecimento dos respectivos fundamentos.
4 - As acções previstas no presente artigo só podem ser
interpostas no prazo de cinco anos após a ocorrência dos factos
que as fundamentam.
Artigo 12.º
Efeitos das decisões de perda de mandato e de dissolução
1 - Os membros de órgão dissolvido ou os que
hajam perdido o mandato não podem fazer parte da comissão administrativa
a que se refere o n.º 1 do artigo 14.º
2 - No caso de dissolução do órgão, o disposto no
número anterior não é aplicável aos membros do órgão
dissolvido que tenham votado contra ou que não tenham participado nas
deliberações, praticado os actos ou omitido os deveres legais
a que estavam obrigados e que deram causa à dissolução
do órgão.
3 - A renúncia ao mandato não prejudica o disposto no n.º 1 do
presente artigo.
4 - A dissolução do órgão deliberativo da freguesia
ou da região administrativa envolve necessariamente a dissolução
da respectiva junta.
Artigo 13.º
Inelegibilidade
A condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, implica a sua inelegibilidade nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico.
Artigo 14.º
Processo decorrente da dissolução de órgão
1 - Em caso de dissolução do órgão
deliberativo de freguesia ou de região administrativa ou do órgão
executivo municipal, é designada uma comissão administrativa,
com funções executivas, a qual é constituída por
três membros, nas freguesias, ou cinco membros, nas câmaras municipais
e nas regiões administrativas.
2 - Nos casos referidos no número anterior, os órgãos executivos
mantêm-se em funções até à data da tomada
de posse da comissão administrativa.
3 - Quando a constituição do novo órgão autárquico
envolver o sufrágio directo e universal, o acto eleitoral deve ocorrer
no prazo máximo de 90 dias após o trânsito em julgado da
decisão de dissolução, salvo se no mesmo período
de tempo forem marcadas eleições gerais para os órgãos
autárquicos.
4 - Compete ao Governo, mediante decreto, nomear a comissão administrativa
referida no n.º 1, cuja composição deve reflectir a do órgão
dissolvido.
Artigo 15.º
Regime processual
1 - As acções para declaração de
perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos
ou entidades equiparadas têm carácter urgente.
2 - As acções seguem os termos dos recursos dos actos administrativos
dos órgãos da administração local, com as modificações
constantes dos números seguintes.
3 - O oferecimento do rol de testemunhas e o requerimento de outros meios de
prova devem ser efectuados nos articulados, não podendo cada parte produzir
mais de 5 testemunhas sobre cada facto nem o número total destas ser
superior a 20.
4 - Não há lugar a especificação e questionário
nem a intervenção do tribunal colectivo, e os depoimentos são
sempre reduzidos a escrito.
5 - É aplicável a alegações e a prazos o preceituado
nos n.os 2 e 3 do artigo 60.º do Decreto-Lei
n.º 267/85, de 16 de Julho.
6 - Somente cabe recurso da decisão que ponha termo ao processo, o qual
sobe imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo, e, dado
o seu carácter urgente, deve ainda ser observado no seu regime o disposto
nos n.os 1 e 2 do artigo 115.º do Decreto-Lei
n.º 267/85, de 16 de Julho.
7 - As sentenças proferidas nas acções de perda de mandato
ou de dissolução de órgão são notificadas
ao Governo.
8 - Às acções desta natureza é aplicável
o regime de custas e preparos estabelecido para os recursos de actos administrativos.
Artigo 16.º
Aplicação às Regiões Autónomas
O regime da presente lei aplica-se às Regiões Autónomas, sem prejuízo da publicação de diploma que defina os órgãos competentes para o exercício da tutela administrativa.
Artigo 17.º
Norma transitória
1 - Sempre que o regime consagrado no presente diploma se revele
em concreto mais favorável ao réu, o mesmo é de aplicação
imediata aos processos com decisões não transitadas em julgado,
inclusive no que diz respeito à apreciação dos respectivos
fundamentos.
2 - Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior,
qualquer das partes pode requerer a baixa do processo ao tribunal de 1.ª instância
para efeitos de novo julgamento.
3 - O disposto no número anterior aplica-se aos processos pendentes no
Tribunal Constitucional.
1 - É revogada a Lei n.º 87/89,
de 9 de Setembro, bem como todas as disposições especiais
que prevejam fundamentos de perda de mandato ou de dissolução
de órgãos autárquicos por remissão para o regime
de tutela administrativa estabelecido por aquele diploma.
2 - O disposto no número anterior não prejudica as competências
legalmente atribuídas ao governador civil.
Aprovada em 27 de Junho de 1996.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Promulgada em 19 de Julho de 1996.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 23 de Julho de 1996.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.