Ministério
das Obras Públicas - Gabinete do Ministro
Decreto-Lei n.º 502/71
de 18 de Novembro
1. A execução
dos planos de aproveitamentos hidráulicos, quer hidroagrícolas,
quer hidroeléctricos, tem originado a criação de numerosas
albufeiras de águas públicas, e no decurso do progressivo aproveitamento
dos nossos rios outras virão a juntar-se-lhes.
As águas armazenadas para satisfazer as finalidades principais - rega,
produção de energia e abastecimento de populações
- amenizam a paisagem e dão lugar à prática de actividades
recreativas e desportivas, incluindo as de competição.
As facilidades crescentes de deslocação das populações
fomentam o turismo e, conjugando-se com os atractivos naturais ou derivados
das albufeiras, fazem dos terrenos circundantes de algumas delas lugares eleitos
para a construção de casas de vilegiatura e instalação
de parques de campismo e estabelecimentos hoteleiros ou similares.
2. Na maioria dos casos é fácil harmonizar as actividades secundárias
proporcionadas pelas albufeiras de águas públicas com os objectivos
primordiais da sua criação, mas nalguns, como aqueles em que a
finalidade predominante é o abastecimento de água de populações,
já assim pode não suceder.
O interesse da piscicultura, a defesa de margens alcantiladas, a navegação,
tanto transversal como longitudinal, e a defesa contra a poluição
das águas também nem sempre serão conciliáveis com
a actividade humana desordenada, mesmo limitada ao simples turismo ou desporto.
Não admira que a legislação em vigor seja omissa sobre
esta matéria. Na verdade, o Regulamento dos Serviços Hidráulicos
foi publicado em 1892 e a Lei de Águas em 1919, enquanto o início
da criação intensiva de albufeiras remonta apenas a cerca de vinte
anos.
Parece, pois, aconselhável proceder-se à classificação
das albufeiras de águas públicas, não só para subordinar
o exercício das actividades secundárias às finalidades
primordiais, mas também para garantir a consecução destas
últimas, tendo em conta o presente e a evolução previsível.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo
109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para
valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. As
albufeiras de águas públicas serão classificadas e terão
zonas de protecção fixadas pelo Ministério das Obras Públicas,
com o fim de harmonizar o seu aproveitamento secundário com as utilizações
principais a que se destinaram ou com as que posteriormente forem determinadas
pelo Governo.
2. As actividades compreendidas no aproveitamento secundário das albufeiras
de águas públicas terão de ser compatíveis com os
fins determinantes da sua criação, iniciais ou sucessivos, e com
o regime de exploração, variação do nível
da água e outras circunstâncias atendíveis.
3. A Secretaria de Estado da Informação e Turismo será
ouvida sobre o interesse das actividades recreativas que o Ministério
das Obras Públicas considere compatíveis com as finalidades principais
atribuídas às albufeiras de águas públicas.
4. As entidades concessionárias, as associações de regantes
e beneficiários e outros organismos interessados na exploração
das albufeiras de águas públicas prestarão à Direcção-Geral
dos Serviços Hidráulicos toda a colaboração necessária
para o cumprimento do disposto neste diploma.
Art. 2.º - 1. Os projectos das albufeiras de águas públicas a estabelecer pelo Estado ou por outras entidades devem indicar:
a) Os limites das zonas de protecção e os condicionalismos a observar na construção de edifícios, no estabelecimento de indústrias e no exercício de actividades nessas zonas;
b) As utilizações secundárias compatíveis com as finalidades principais das albufeiras e as condições em que podem ser exercidas.
2. A Direcção-Geral
dos Serviços Hidráulicos, com a colaboração das
entidades interessadas, promoverá a elaboração de propostas
respeitantes ao disposto nas alíneas a) e b) do número anterior,
dentro do prazo de um ano, em relação às albufeiras de
águas públicas existentes ou em vias de formação.
3. A aprovação, por despacho do Ministro das Obras Públicas,
dos projectos ou propostas referidos no presente artigo torna obrigatória
a observância dos condicionalismos estabelecidos e importa a declaração
de utilidade pública para as expropriações que se tornarem
necessárias.
Art. 3.º - 1. As zonas
de protecção das albufeiras de águas públicas terão
uma largura variável até 500 m, consoante a sua disposição
topográfica, possibilidades de utilização, grau de defesa
a impor e outras razões atendíveis, podendo os limites sofrer
futoros ajustamentos, de harmonia com a evolução das circunstâncias
iniciais.
2. A construção de edifícios e outras utilizações
das zonas de protecção que possam interferir com os aproveitamentos
principais e secundários das albufeiras ficarão sujeitas às
condições estabelecidas pelo Ministério das Obras Públicas
e à sua fiscalização.
3. No caso de construções anteriores ao presente diploma que prejudiquem
gravemente as finalidades principais das albufeiras de águas públicas,
poderá o Ministério das Obras Públicas proceder à
sua expropriação por utilidade pública, ou autorizar a
entidade interessada a efectuá-la, nos termos legais.
4. Mediante o pagamento das indemnizações pelos prejuízos
causados, a determinar pelo processo das expropriações por utilidade
pública, o Ministério das Obras Públicas poderá
suspender quaisquer actividades anteriormente exercidas nas zonas de protecção,
ou fora delas, que não sejam compatíveis com as finalidades principais
das albufeiras de águas públicas, ou autorizar as entidades interessadas
a mandar suspendê-las.
Art. 4.º - 1. Nas
zonas de protecção das albufeiras de águas públicas
tendo por finalidade essencial ou dominante o abastecimento de povoações,
e nas próprias albufeiras, pode o Ministério das Obras Públicas
proibir a realização de quaisquer construções ou
actividades, incluindo as recreativas.
2. As zonas referidas no número anterior poderão ser objecto de
um ordenamento territorial, no qual serão especificados os locais de
proibição ou de condicionamento da construção habitacional,
industrial ou recreativa, quando a totalidade das zonas não for abrangida
pela proibição.
3. Os proprietários dos terrenos das zonas a que se referem os números
anteriores poderão ser indemnizados pelos prejuízos causados,
a determinar pelo processo das expropriações por utilidade pública.
Art. 5.º - 1. O Ministério
das Obras Públicas poderá outorgar concessões e dar autorizações
para o aproveitamento recreativo das albufeiras de águas públicas,
normalmente mediante o pagamento de taxas, que reverterão, em partes
iguais, para o Estado e para a entidade a que pertença a exploração
da albufeira.
2. As concessões e autorizações serão subordinadas
à utilização principal da albufeira e não envolvem
qualquer compromisso quanto à manutenção dos níveis
de água.
3. Quando, por razões de interesse público, for necessário
alterar a capacidade de armazenamento da albufeira em termos de impossibilitar
o uso da concessão ou autorização, serão estas consideradas
caducas, sem direito a indemnização.
4. Sem prejuízo da jurisdição sobre as zonas de protecção
das albufeiras de águas públicas que pertença às
câmaras municipais e a serviços do Estado, compete à Direcção-Geral
dos Serviços Hidráulicos a fiscalização das concessões
ou autorizações referidas no n.º 1 deste artigo e do funcionamento
e utilização das instalações delas resultantes.
Art. 6.º Os titulares dos interesses ofendidos pelas actividades exercidas nas albufeiras ou nas suas zonas de protecção serão indemnizados, nos termos da lei, pelos agentes daquelas actividades ou pelos seus representantes.
Art. 7.º As contravenções ao disposto no presente diploma serão punidas com multas de 100$00 a 100 000$00, elevadas ao dobro em caso de reincidência, e aplicadas pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
Art. 8.º Os regulamentos necessários para a execução do presente diploma serão aprovados por decreto.
Visto e aprovado em Conselho
de Ministros. - Marcello Caetano - Rui Alves da Silva Sanches.
Promulgado em 11 de Novembro de 1971.
Publique-se.
O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.
Para ser presente à Assembleia Nacional.