Decreto-Lei n.º 413/93
de 23 de Dezembro
O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da
Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 24/84, de 16 de Janeiro, qualifica como infracção disciplinar
«o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou
agente com violação de alguns deveres gerais ou especiais decorrentes
da função que exerce».
Por outro lado, o mesmo Estatuto impõe a todos os trabalhadores da Administração
Pública o dever de isenção, que, nos termos aí bem
definidos, consiste «em não retirar vantagens directas ou indirectas,
pecuniárias ou outras, das funções que exerce, actuando
com independência em relação aos interesses e pressões
particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade
dos cidadãos».
Para além disso, constam do Decreto-Lei n.º 184/89,
de 2 de Junho (artigos 4.º e 12.º),
e, com carácter de complementaridade, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7
de Dezembro (artigos 31.º e 32.º), normas que apontam para o reforço
da deontologia do serviço público e para o exercício de
funções públicas com carácter de exclusividade,
para a excepcionalidade da acumulação de funções,
quer públicas, quer públicas e privadas, e para a indispensabilidade
de autorização prévia para os casos excepcionais em que
é permitida a acumulação.
No caso dos dirigentes, a estes imperativos acrescem os que constam do estatuto
do pessoal dirigente (artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 323/89, de 26 de Setembro).
Todavia, apesar dos dispositivos legais referidos, o quotidiano remete-nos para
uma realidade que aponta áreas de actuação que constituem
malhas não claramente suportadas pela legislação. Ficam,
deste modo, menos transparentes situações em que poderão
ser levantadas questões referentes ao dever de isenção
e à existência de conflitos de interesses, decorrentes não
só do exercício de uma actividade mas também da confluência
de interesses financeiros e ou patrimoniais, directos ou indirectos.
Não pode, de outra parte, esquecer-se a importância decisiva que
assume a obtenção de um elevado padrão ético no
funcionamento da Administração Pública, enquanto expressão
e garantia do empenhamento dos seus agentes na resposta a uma exigência
crescente de qualidade do serviço por ela prestado aos cidadãos.
Importa, portanto, insistir na clarificação de regras e na definição
mais precisa das condutas, mediante a adopção de soluções
para as lacunas que têm vindo a ser detectadas na matéria, reforçando
os dispositivos e instrumentos existentes. Só deste modo será
possível assegurar plenamente a prevenção e resolução
dos conflitos de interesses que podem surgir no exercício de funções
públicas.
Pensa-se, pois, que por esta via se conseguirá um maior rigor na aplicação
de regras de dignidade e transparência na actividade de todos os que estão
ao serviço da Administração Pública, contribuindo-se
decisivamente para uma melhor imagem e qualidade dos serviços que a mesma
presta à comunidade.
Por fim, entende-se que o presente diploma prevalece sobre toda a legislação
em contrário, sem prejuízo do que dispõe o Código
do Procedimento Administrativo em matéria de garantia de imparcialidade
e, bem assim, dos regimes privativos dos corpos especiais da função
pública.
Foram ouvidas, nos termos da lei, as associações representativas
dos trabalhadores da Administração Pública, bem como os
órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas
dos Açores e da Madeira e a Associação Nacional de Municípios
Portugueses.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 55/93,
de 6 de Agosto, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da
Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
O presente diploma é aplicável aos funcionários e agentes da administração pública central, regional e local, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos.
Artigo 2.º
1 - Os titulares de órgãos, funcionários
e agentes referidos no artigo anterior não podem desenvolver, por si
ou por interposta pessoa, a título remunerado, em regime de trabalho
autónomo ou de trabalho subordinado, actividades privadas concorrentes
ou similares com as funções que exercem na Administração
Pública e que com estas sejam conflituantes.
2 - Consideram-se, nomeadamente, abrangidas pelo número anterior as actividades
que, tendo conteúdo idêntico ao das funções públicas
concretamente exercidas pelo titular de órgão, funcionário
ou agente, sejam desenvolvidas de forma permanente ou habitual e se dirijam
ao mesmo círculo de destinatários.
Os titulares de órgãos, funcionários e agentes não podem prestar a terceiros, por si ou por interposta pessoa, em regime de trabalho autónomo ou de trabalho subordinado, serviços no âmbito do estudo, preparação ou financiamento de projectos, candidaturas e requerimentos que devam ser submetidos à sua apreciação ou decisão ou à de órgãos ou serviços colocados na sua dependência ou sob sua directa influência.
Artigo 4.º
Os titulares de órgãos, funcionários e agentes não podem beneficiar, pessoal e indevidamente, de actos ou tomar parte em contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos ou serviços colocados na sua directa dependência ou sob sua directa influência.
Artigo 5.º
Para efeitos do disposto nos artigos anteriores, consideram-se colocados na dependência ou sob directa influência do titular de órgão, funcionário ou agente os órgãos ou serviços que:
a) Estejam sujeitos ao seu poder de direcção,
de superintendência ou disciplinar;
b) Exerçam poderes por ele delegados ou subdelegados;
c) Tenham sido por ele instituídos, ou cujo titular tenha sido por
ele nomeado, para o fim específico de intervir nos processos em causa;
d) Sejam integrados, no todo ou em parte, por pessoas por ele designadas a
título não definitivo;
e) Cujo titular ou em que os sujeitos nele integrados tenham sido por ele
promovidos ou classificados há menos de um ano;
f) Com ele colaborem, em situação de paridade hierárquica,
no âmbito do mesmo serviço ou departamento.
Artigo 6.º
1 - Considera-se equiparado ao interesse dos titulares de órgãos, funcionários e agentes, nas situações previstas nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, o interesse:
a) Do seu cônjuge, não separado de pessoas e
bens, dos seus ascendentes e descendentes em qualquer grau e dos colaterais
até ao 2.º grau, bem como daquele que com ele viva nas condições
do artigo 2020.º do Código Civil;
b) De sociedade em cujo capital detenha, directa ou indirectamente, por si
mesmo ou conjuntamente com os familiares referidos na alínea anterior,
uma participação não inferior a 10% nem superior a 50%.
2 - É considerado, para os efeitos do presente diploma, como interesse próprio do titular de órgão, funcionário ou agente o interesse de sociedade em cujo capital ele detenha, directa ou indirectamente, por si mesmo ou conjuntamente com os familiares referidos na alínea a) do número anterior, uma participação superior a 50%.
Artigo 7.º
1 - No âmbito da administração central
compete, salvo disposição legal em contrário, aos membros
do Governo autorizar, precedendo parecer fundamentado do dirigente máximo
do serviço em causa, o exercício, pelos funcionários e
agentes, de actividades privadas em acumulação com as respectivas
funções públicas.
2 - A competência referida no número anterior só é
delegável em membros do Governo.
3 - Compete aos dirigentes dos serviços verificar a existência
de situações de acumulação não autorizadas
e fiscalizar, em geral, o cumprimento das obrigações impostas
pelo presente diploma.
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável à
administração regional com as necessárias adaptações.
5 - No âmbito da administração local, as competências
previstas nos números anteriores são exercidas pelo presidente
da câmara ou pelo vereador em que forem delegadas.
6 - Constitui fundamento de cessação
da comissão de serviço dos dirigentes referidos no n.º 3:
a) A proposta de autorização de acumulação
de funções quando o respectivo requerimento não seja
acompanhado de elementos instrutórios adequados a demonstrar a inexistência
de incompatibilidade;
b) A proposta de autorização de acumulação de
funções públicas e privadas em face de elementos instrutórios
que demonstrem a existência de uma incompatibilidade manifesta;
c) A omissão ou a negligência graves na fiscalização
de situações ilegais de acumulação.
Artigo 8.º
Requerimento
Do requerimento a apresentar para acumulção de funções públicas ou de funções públicas e privadas, ainda que a título gratuito, deve constar:
a) O local de exercício da actividade a acumular;
b) O horário de trabalho a praticar;
c) A remuneração a auferir, se existir;
d) A indicação do carácter autónomo ou subordinado
do trabalho a prestar e a descrição sucinta do seu conteúdo;
e) A fundamentação da inexistência de conflito entre as
funções a desempenhar;
f) O compromisso de cessação imediata da actividade em acumulação
no caso de ocorrência superveniente de conflito.
Artigo 9.º
Os titulares de órgãos, funcionários e agentes devem comunicar ao superior hierárquico, antes de tomadas as decisões ou praticados os actos referidos nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, a existência das situações de conflito de interesses que envolvam as pessoas ou entidades referidas no n.º 1 do artigo 6.º.
São anuláveis, nos termos gerais, os actos e os contratos em que se verifique alguma das situações de conflito de interesses previstas no presente diploma.
Artigo 11.º
1 - Aos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violarem o disposto no presente diploma são aplicáveis as seguintes penas disciplinares:
a) De inactividade, quando exercerem actividades privadas
em infracção do disposto no artigo 2.º ou quando, tratando-se
de outras actividades, o façam sem autorização;
b) De inactividade ou de suspensão, respectivamente, quando prestarem
a terceiros os serviços descritos no artigo 3.º, no âmbito de
processos que devam ser apreciados ou decididos por eles próprios ou
pelos órgãos ou agentes referidos no artigo 5.º;
c) De suspensão, quando tomarem interesse nos actos ou contratos a
que se refere o artigo 4.º;
d) De multa, quando não fizerem a comunicação prevista
no artigo 9.º.
2 - A pena prevista na alínea a) do número anterior
é igualmente aplicável quando a autorização tenha
sido concedida com base em informações ou elementos, apresentados
pelo próprio requerente, que se revelem falsos ou incompletos.
3 - As penas estabelecidas no presente artigo estão sujeitas aos limites
previstos no artigo 12.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes
da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 24/84, de 16 de Janeiro.
4 - A prática por pessoal dirigente de actos
puníveis nos termos dos números anteriores constitui, ainda, fundamento
de cessação da respectiva comissão de serviço.
Artigo 12.º
Tratando-se de actividades não compreendidas no artigo 2.º, o disposto no presente diploma não é aplicável à acumulação de funções privadas quando já autorizada no momento da sua entrada em vigor.
Artigo 13.º
O disposto no presente diploma entende-se sem prejuízo das regras contidas nos artigos 44.º e 51.º do Código do Procedimento Administrativo, bem como dos regimes privativos dos corpos especiais da função pública.
Artigo 14.º
O presente diploma entra em vigor em 1 de Janeiro de 1994.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de Novembro
de 1993. - Aníbal António Cavaco Silva - Mário Fernando
de Campos Pinto - Artur Aurélio Teixeira Rodrigues Consolado - Jorge
Braga de Macedo - Luís Francisco Valente de Oliveira.
Promulgado em 9 de Dezembro de 1993.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 13 de Dezembro de 1993.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.