Decreto-Lei n.º 401/91
de 16 de Outubro
O presente diploma destina-se a regular as actividades de formação
profissional inserida quer no sistema educativo quer no mercado de emprego.
A primeira, baseada em especial no artigo 74.º da Constituição,
foi objecto da Lei n.º
46/86, de 14 de Outubro. A segunda, prevista no artigo 58.º da Constituição,
acha-se dispersa por vários diplomas legais que importa enquadrar e actualizar.
Uma e outra constituem realidades que vêm marcando fortemente o sistema
educativo e o mercado de emprego, bem como a articulação entre
ambos, especialmente nos últimos anos, em que os apoios das Comunidades
Europeias e o esforço interno de apetrechamento, organização
e adequação às necessidades do País tiveram um impacte
decisivo.
A formação profissional inserida no sistema educativo e a inserida
no mercado de emprego distinguem-se pela base institucional dominante - a escola
e a empresa, respectivamente - e pelos seus destinatários específicos
- no primeiro caso, a população escolar, incluindo o ensino recorrente
de adultos e a educação extra-escolar, e, no segundo, a população
activa empregada ou desempregada, incluindo nesta os candidatos ao primeiro
emprego. Apesar das diferenças, prevalece o que aproxima ambas as formações:
em especial os conceitos, as finalidades, a certificação, as componentes,
a consideração dos níveis e perfis profissionais, a avaliação
e a coordenação. Por tal motivo, bem se compreende que todas estas
matérias, por serem comuns, integrem um único diploma.
Todavia, mesmo nos domínios referidos, há aspectos específicos
a ter em conta: no que se refere ao sistema educativo, esses aspectos já
se encontram salvaguardados, em larga medida, através da supracitada
Lei n.º 46/86, de 14 de
Outubro. No que se refere ao mercado de emprego, será necessária
a adopção de um diploma legal que os contemple.
Nesta perspectiva, o presente diploma procura enquadrar toda a formação
profissional, independentemente do sistema - educativo ou de emprego - em que
se integre, através de um regime jurídico que lhe imprima a desejada
unidade e eficácia.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido na Lei
n.º 46/86, de 14 de Outubro, e nos termos das alíneas a) e c) do
n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Princípios gerais
Artigo 1.º
Âmbito
1 - O presente diploma estabelece o enquadramento legal da
formação profissional.
2 - Este diploma aplica-se:
a) À formação profissional inserida no sistema educativo;
b) À formação profissional inserida no mercado de emprego.
3 - Por diplomas próprios serão fixados os regimes específicos de formação referidos no número anterior, salvaguardando a comunicação entre ambos.
Artigo 2.º
Conceito
1 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por formação
profissional o processo global e permanente através do qual jovens e
adultos, a inserir ou inseridos na vida activa, se preparam para o exercício
de uma actividade profissional.
2 - A preparação referida no número anterior consiste na
aquisição e no desenvolvimento de competências e atitudes,
cuja síntese e integração possibilitam a adopção
dos comportamentos adequados ao desempenho profissional.
Artigo 3.º
Formação inicial e contínua
1 - A formação profissional pode ser inicial
ou contínua.
2 - A formação profissional inicial destina-se a conferir uma
qualificação profissional certificada, bem como a preparar para
a vida adulta e profissional.
3 - A formação profissional contínua insere-se na vida
profissional do indivíduo, realiza-se ao longo da mesma e destina-se
a propiciar a adaptação às mutações tecnológicas,
organizacionais ou outras, favorecer a promoção profissional,
melhorar a qualidade do emprego contribuir para o desenvolvimento cultural,
económico e social.
4 - Na formação profissional inicial, atribuir-se-á especial
relevância ao regime de aprendizagem, às escolas profissionais
e ao ensino tecnológico e profissional.
5 - Para efeitos do presente diploma, e consideram-se conceitos equivalentes
ao de formação profissional contínua os de formação
profissional em exercício, permanente ou recorrente.
Artigo 4.º
Finalidades
1 - A formação profissional prossegue as seguintes finalidades:
a) A integração e realização sócio-profissional dos indivíduos, preparando-os para o desempenho dos diversos papéis sociais, nos diferentes contextos da vida, nomeadamente o do trabalho;
b) A adequação entre o trabalhador e o posto de trabalho, tendo em conta as capacidades daquele, a mobilidade profissional e a definição e redefinição constantes dos perfis profissionais do presente e do futuro;
c) A promoção da igualdade de oportunidades, no acesso a formação, à profissão e ao emprego, e da progressão na carreira, reduzindo as assimetrias sócio-profissionais, sectoriais e regionais, bem como a exclusão social;
d) A modernização e o desenvolvimento integrados das organizações, da sociedade e da economia, favorecendo a melhoria da produtividade e da competitividade;
e) O fomento da criatividade, da inovação, do espírito de iniciativa e da capacidade de relacionamento.
2 - A formação profissional deve corresponder, simultaneamente:
a) Às exigências do exercício das profissões nos vários sectores de actividade, nas diversas áreas profissionais e de formação e nos diferentes níveis de qualificação;
b) E às aptidões, interesses e necessidades individuais.
CAPÍTULO II
Organização
SECÇÃO I
Princípios básicos de organização
Artigo 5.º
Características
1 - A formação profissional deve, na medida do
possível, favorecer a polivalência, estruturar-se em módulos
e funcionar em ligação com os actuais contextos de trabalho e
sua evolução.
2 - A ligação entre o contexto de formação, por
um lado, e o contexto de trabalho, por outro, será fomentada, nomeadamente,
através da formação em alternância, do sistema de
unidades capitalizáveis, de estágios profissionais, de programas
de emprego-formação, do acompanhamento da inserção
na vida activa, da articulação com os centros de emprego do Instituto
do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e da criação
de unidades de inserção na vida activa em escolas e centros ou
outras organizações de formação.
Artigo 6.º
Forma de organização
1 - A formação profissional organiza-se em cursos
ou acções correspondentes a perfis de formação e
estruturados em programas de formação.
2 - A duração e características dos cursos e acções
ajustar-se-ão às diferentes modalidades de formação,
salvaguardando as especificidades da formação inicial e contínua.
Artigo 7.º
Programas de formação profissional
1 - Os programas de formação profissional são
elaborados e desenvolvidos por iniciativa quer do Estado quer das entidades
formadoras responsáveis pela sua execução, de harmonia
com os princípios de organização e funcionamento definidos
no presente diploma.
2 - Sem prejuízo do disposto no número
anterior, poderão ser definidas, por portaria dos Ministros da Educação,
do Emprego e da Segurança Social e do membro do Governo que tutela a
área da respectiva formação profissional, orientações
para a elaboração e execução de programas de formação.
1 - A formação profissional é objecto
de certificação.
2 - A certificação da formação profissional deve
ter em conta a natureza das acções, a experiência no trabalho,
o reconhecimento de formações e a correspondência de qualificações
no âmbito das Comunidades Europeias, bem como a reciprocidade de tratamento
com outros países.
3 - O certificado deve explicitar a formação recebida, a entidade
formadora, e, sendo caso disso, indica o nível de qualificação
profissional a que a formação dê acesso, o título
ou títulos profissionais que confira, o diploma escolar a que corresponda
e, na medida do possível, descrever o respectivo perfil profissional.
4 - O sistema de certificação integra, nomeadamente, as entidades
competentes para certificar, as articulações entre as mesmas,
os processos de certificação e as correspondências entre
os diferentes certificados quer na perspectiva da qualificação
e progressão profissionais quer na do prosseguimento de estudos no sistema
educativo.
5 - Os parceiros sociais tomarão parte na coordenação e
gestão do sistema de certificação através de estruturas
de composição tripartida.
SECÇÃO II
Intervenientes na formação profissional
Artigo 9.º
Formandos
1 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por formando
qualquer indivíduo que frequenta um curso de formação profissional,
inicial ou contínua.
2 - São direitos dos formandos:
a) A escolha da formação;
b) O acesso à informação e orientação profissionais;
c) O reconhecimento e a valorização da formação profissional inerente ao trabalho;
d) A certificação da formação profissional adquirida.
3 - Serão criadas condições para a garantia do direito à formação inicial e para a generalização do acesso à formação contínua.
1 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por formador
o profissional cujo perfil funcional integra competências técnico-científicas
e pedagógico-didácticas adequadas à formação
que ministra.
2 - Serão definidos, por decreto regulamentar, os requisitos para o exercício
da actividade de formador, considerando-se nomeadamente:
a) Os perfis funcionais exigíveis, em especial no que se refere à preparação técnica, científica, pedagógica, didáctica e social, bem como à experiência na área profissional específica e como formador;
b) Os direitos e deveres, designadamente os referentes à formação contínua.
Artigo 11.º
Entidades formadoras
A formação profissional regulada pelo presente diploma pode ser realizada, segundo formas institucionais diversificadas, por entidades públicas, privadas ou cooperativas, designadamente por:
a) Estabelecimentos e centros de ensino e formação, incluindo:
Os estabelecimentos de ensino;
Os centros públicos de formação;
Os centros de formação de gestão participada;
Outros centros, escolas e organizações de formação;b) Empresas e associações patronais e empresariais;
c) Associações sindicais e profissionais;
d) Autarquias locais e suas associações;
e) Instituições particulares de solidariedade social;
f) Associações culturais, de desenvolvimento local, regional ou afins.
SECÇÃO III
Modalidades
Artigo 12.º
Modalidades
1 - A formação profissional pode revestir modalidades
diferenciadas, tais como de iniciação, qualificação,
aperfeiçoamento, reconversão e especialização.
2 - A iniciação profissional e a qualificação constituem
em geral modalidades de formação profissional inicial; a formação
profissional contínua abrange não só a qualificação
mas também, nomeadamente, o aperfeiçoamento, a reconversão
e a especialização.
Artigo 13.º
Áreas profissionais, profissões e postos de trabalho
1 - A formação profissional abrange, designadamente,
áreas profissionais, profissões e postos de trabalho.
2 - As áreas profissionais, as profissões e os postos de trabalho
distinguem-se pela especificidade das respectivas funções de trabalho
e pela sua afinidade formativa.
3 - A afinidade respeita aos conteúdos de formação, às
bases científicas comuns e à aplicação em funções
de trabalho semelhantes.
4 - As áreas profissionais são constituídas por conjuntos
homogéneos de profissões afins.
5 - As profissões são constituídas por conjuntos homogéneos
de postos de trabalho afins.
6 - Os postos de trabalho são constituídos por conjuntos homogéneos
de operações e tarefas afins.
SECÇÃO IV
Componentes de formação
Artigo 14.º
Componentes de formação
A formação profissional pode compreender componentes de formação sócio-cultural, prática, tecnológica e científica adequadas aos objectivos que prossegue e aos níveis de qualificação para que prepara.
Artigo 15.º
Componentes de formação sócio-cultural
1 - A componente de formação sócio-cultural é constituída pelas competências, atitudes e conhecimentos gerais e comuns relativos:
a) Ao exercício de todas as actividades;
b) Ao desempenho dos diversos papéis sociais nos vários contextos de vida, nomeadamente o do trabalho.
2 - A componente de formação sócio-cultural
visa a integração da formação no processo de desenvolvimento
pessoal, profissional e social dos indivíduos e a sua inserção
no mundo do trabalho.
3 - A componente de formação sócio-cultural compreende
a aquisição de competências de empregabilidade, nomeadamente
para a criação do próprio emprego, e de elementos apropriados
de cultura profissional, de cultura da empresa e de higiene e segurança
no trabalho.
4 - A componente de formação sócio-cultural deve incluir-se
nas modalidades de formação profissional referidas no artigo 12.º
e em todos os níveis de qualificação para que prepara,
adaptando-se às características de cada curso ou acção
formativa.
Artigo 16.º
Componente de formação prática
1 - A componente de formação prática é
constituída pelas competências técnicas cuja aquisição
permite o desenvolvimento das destrezas que integram o exercício profissional
e é tanto mais exigente quanto maior for a complexidade das tarefas a
realizar.
2 - A componente de formação prática pode assumir a forma
de práticas reais em contexto de trabalho ou de práticas simuladas
em contexto de formação, orientadas por formador.
3 - A componente de formação prática deve incluir-se em
qualquer das modalidades de formação profissional referidas no
artigo 12.º e em todos os níveis de qualificação para que
prepara, adaptando-se às características de cada curso ou acção
formativa.
Artigo 17.º
Componente de formação tecnológica
1 - A componente de formação tecnológica
é constituída pelo conhecimento das tecnologias necessárias
para compreender a actividade prática e para resolver os problemas que
integram o exercício profissional.
2 - A componente de formação tecnológica deve incluir-se
nas modalidades de formação profissional desde, pelo menos, o
nível de qualificação 2.
Artigo 18.º
Componente de formação científica
1 - A componente de formação científica
é constituída pelas disciplinas ou ciências básicas
que fundamentam as respectivas tecnologias e são comuns a várias
actividades profissionais.
2 - A componente de formação científica deve incluir-se
nas modalidades de formação profissional desde, pelo menos, o
nível de qualificação 3.
Artigo 19.º
Níveis de formação ou de qualificação profissional
Os níveis de formação ou de qualificação profissional referidos no presente diploma são os vigentes no âmbito das Comunidades, sem prejuízo das disposições específicas adoptadas para Portugal.
SECÇÃO V
Perfis
Artigo 20.º
Perfis profissionais e perfis de formação
1 - A formação profissional consubstancia-se
em perfis de formação correspondentes a perfis profissionais.
2 - Os perfis profissionais descrevem os conjuntos de competências, atitudes
e comportamentos necessários para exercer as funções próprias
de um grupo de profissões afins, uma profissão ou um posto de
trabalho.
3 - Os perfis de formação constituem a tradução,
em conteúdos de formação, dos perfis profissionais.
SECÇÃO VI
Financiamento e incentivos
Artigo 21.º
Financiamento
1 - O financiamento da formação profissional
regulada pelo presente diploma é assegurado pelo Estado, pelas entidades
referidas no artigo 11.º e, eventualmente, por fundos provenientes de outras
entidades nacionais, internacionais, designadamente comunitárias, ou
estrangeiras e pelos formandos.
2 - O Estado financia a formação profissional que realiza e apoia
e incentiva a promovida por outras entidades.
3 - Ao Estado incumbe especialmente o financiamento relativo a:
a) Formação inicial;
b) Formação de desempregados;
c) Formação de grupos sociais com maiores dificuldades de inserção no mercado de emprego;
d) Promoção da formação de formadores e cobertura do País em estruturas básicas de formação;
e) Investigação, inovação, concepção de meios pedagógicos, avaliação e coordenação.
4 - Às empresas incumbe especialmente o financiamento
da formação contínua, sem prejuízo do disposto na
parte final do n.º 2.
5 - O Estado e as empresas estabelecem formas de cooperação para
o financiamento da formação inicial de carácter profissionalizante.
SECÇÃO VII
Avaliação e coordenação
Artigo 22.º
Avaliação
1 - A formação profissional regulada pelo presente
diploma é objecto de avaliação sistemática quer
nas vertentes administrativo-financeira quer na técnico-pedagógica,
quer na sua relação com o emprego.
2 - A avaliação da formação profissional é
realizada aos níveis nacional, sectorial e regional, pelas estruturas
responsáveis pela coordenação.
3 - As entidades formadoras devem expressar as receitas e despesas com formação
nos seus orçamentos e contas.
Artigo 23.º
Coordenação
1 - A formação profissional a que respeita a
alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do presente diploma é coordenada
pelo Ministério da Educação, com a participação
dos restantes ministérios em razão de matéria.
2 - A formação profissional a que respeita a alínea b)
do n.º 2 do artigo 1.º é coordenada pelo Ministério do Emprego
e da Segurança Social, com a participação dos restantes
ministérios em razão de matéria.
3 - A participação dos parceiros sociais na coordenação
global da formação profissional é assegurada através
do Conselho Permanente da Concertação Social, tomando parte nas
respectivas reuniões o Ministério do Emprego e da Segurança
Social, o da Educação e outros, se necessário, em razão
de matéria.
4 - Os parceiros sociais também participam na coordenação
a nível sectorial e regional.
5 - Portaria conjunta dos Ministros da Educação
e do Emprego e da Segurança Social regulamentará a articulação
entre os dois ministérios.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 1 de Agosto de
1991. - Aníbal António Cavaco Silva - Roberto Artur da Luz Carneiro
- José Albino da Silva Peneda.
Promulgado em 6 de Setembro de 1991.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES
Referendado em 10 de Setembro de 1991.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.