Decreto-Lei n.º 392/79
de 20 de Setembro
(Revogado pela alínea
c) do n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).
A Constituição da República Portuguesa
reconhece e garante, no seu artigo 13.º, a igualdade de todos os cidadãos,
com consequente recusa de privilégios ou discriminações,
fundados, nomeadamente, no sexo.
Subsistem contudo, na sociedade portuguesa, diversas formas de discriminação
que, a vários níveis, atingem a mulher e lhe impedem, de facto,
a cidadania plena.
Tal discriminação encontra reflexos também no mundo do
trabalho, que persistem não obstante se encontrar constitucionalmente
garantido o direito de igual salário para trabalho igual - artigo 53.º,
alínea a) - e cometida ao Estado a tarefa de assegurar que o sexo não
funcione como limitação ao acesso a quaisquer cargos, trabalhos
ou categorias profissionais - artigo 52.º, alínea a).
Pelo presente diploma visa criar-se, por um lado, normas que definam o enquadramento
legal adequado à transposição dos princípios constitucionais
para a realidade do mundo e do direito laborais e, por outro lado, mecanismos
de actuação que viabilizem a aplicação prática
de tais normas e princípios.
Não se ignora que a igualdade efectiva de remuneração irá
alterar sensivelmente a estrutura empresarial de muitos sectores. Assim aconteceu
em países onde a média da diferenciação das remunerações
efectivas entre homens e mulheres era inferior à actualmente existente
em Portugal. Nesta matéria, a prática internacional aponta mesmo
no sentido da aplicação escalonada no tempo, em fases, dos dispositivos
tendentes a assegurar a igualdade efectiva. Na impossibilidade, por imperativos
constitucionais, de trilhar este caminho, caberá à Comissão
para a Igualdade no Trabalho e no Emprego ir aperfeiçoando os conceitos
de trabalho igual e de valor igual, de modo a evitar sobressaltos à economia,
sem nunca perder de vista o objectivo final da real igualdade de facto entre
homens e mulheres no que respeita à totalidade das condições
materiais que rodeiam a prestação do trabalho.
O regime que agora se cria representa ainda uma aproximação da
legislação laboral portuguesa a outras ordens jurídicas,
designadamente às de organizações internacionais a que
Portugal está ou virá brevemente a estar vinculado, e o aproveitamento
de ensinamentos colhidos de fecundas experiências estrangeiras neste domínio.
A apreciação pública de que foi objecto o presente diploma
revelou que as associações sindicais que, nos termos da Lei
n.º 16/79, de 26 de Maio, sobre ele se pronunciaram, aprovaram na generalidade
o teor das suas disposições, na linha do dispositivo constitucional,
tendo apresentado numerosas sugestões e críticas de alteração
na especialidade, que, por representarem valioso contributo para o aperfeiçoamento
substancial e formal do texto, foram acolhidas, total ou parcialmente, em grande
número, com particular destaque para a alteração da composição
da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, em que passaram
a ter assento os parceiros sociais, e para a aplicação imediata
e não diferida do presente diploma.
Conscientes de que a igualdade consagrada na Constituição não
será alcançada por mera obra da lei, tão fundas são
as raízes sociais, económicas e políticas em que assenta
a discriminação das mulheres, confia-se, no entanto, que o presente
diploma possa vir a contribuir de forma significativa e decisiva para a não
discriminação das mulheres no trabalho.
Nestes termos:
Usando a faculdade conferida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º
da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º - 1 - O presente diploma visa garantir às
mulheres a igualdade com os homens em oportunidades e tratamento no trabalho
e no emprego, como consequência do direito ao trabalho consagrado na Constituição
da República Portuguesa.
2 - As disposições do presente diploma aplicar-se-ão igualmente,
com as necessárias adaptações, a eventuais situações
ou práticas discriminatórias contra os homens.
Art. 2.º Para efeitos de aplicação do presente diploma entende-se por:
a) Discriminação: toda
a distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada no sexo que tenha como finalidade ou consequência comprometer
ou recusar o reconhecimento, o gozo ou o exercício dos direitos assegurados
pela legislação do trabalho;
b) Entidade patronal: qualquer pessoal, singular ou colectiva, com capacidade
para celebrar, enquanto empregador, contratos individuais de trabalho;
c) Remuneração: toda e qualquer prestação patrimonial
a que o trabalhador tiver direito por força de contrato individual
de trabalho, com ou sem natureza retributiva, feita em dinheiro ou em espécie,
designadamente a remuneração de base, diuturnidades, prémios
de antiguidade, subsídios de férias e de Natal, prémios
de produtividade, comissões de vendas, ajudas de custo, subsídios
de transporte, abono para falhas, retribuição por trabalho nocturno,
trabalho extraordinário, trabalho em dia de descanso semanal e trabalho
em dia feriado, subsídios de turno, subsídios de alimentação,
fornecimento de alojamento, habitação ou géneros;
d) Trabalho igual: trabalho prestado à mesma entidade patronal quando
são iguais ou de natureza objectivamente semelhante as tarefas desempenhadas;
e) Trabalho de valor igual: trabalho prestado à mesma entidade patronal
quando as tarefas desempenhadas, embora de diversa natureza, são consideradas
equivalentes em resultado da aplicação de critérios objectivos
de avaliação de funções.
Art. 3.º - 1 - O direito ao trabalho implica a ausência
de qualquer discriminação baseada no sexo, quer directa, quer
indirecta, nomeadamente pela referência ao estado civil ou à situação
familiar.
2 - Não são consideradas discriminatórias as disposições
de carácter temporário que estabeleçam uma preferência
em razão do sexo imposta pela necessidade de corrigir uma desigualdade
enquanto valor social.
Art. 4.º - 1 - É garantido o acesso das mulheres a qualquer
emprego, profissão ou posto de trabalho.
2 - Salvo o disposto no artigo 8.º, são consideradas nulas e de nenhum
efeito as disposições legais e regulamentares, bem como as disposições
dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, dos
contratos individuais de trabalho, dos regulamentos de empresa, dos estatutos
de organizações sindicais ou de profissões independentes
e dos regulamentos de carteiras profissionais, que limitem por qualquer forma
o acesso das mulheres a qualquer emprego, profissão ou posto de trabalho.
Art. 5.º - 1 - Incumbe ao Estado promover, incentivar e coordenar
acções de orientação e formação profissional
destinadas às mulheres, de acordo com as suas motivações
e as tendências do emprego.
2 - Na efectivação de tais acções será dada
preferência aos grupos etários 14-19 anos e 20-24 anos sem qualificação
ou diploma de escolaridade obrigatória e às mulheres educadoras
únicas.
3 - É garantido o acesso das mulheres, de acordo com as preferências
estabelecidas no número anterior, aos cursos de formação
profissional, em percentagem a fixar anualmente por portaria do Ministro do
Trabalho.
4 - A reintegração no emprego das mulheres que interromperam a
sua actividade profissional, quer nos aspectos de orientação,
quer na execução de programas especiais de reciclagem e aperfeiçoamento,
será objecto de medidas adequadas.
Art. 6.º As entidades patronais devem assegurar às trabalhadoras igualdade de oportunidade e de tratamento com os homens no que se refere à formação profissional em todos os níveis e modalidades.
Art. 7.º - 1 - Os anúncios de ofertas de emprego e outras
formas de publicidade ligadas à pré-selecção e ao
recrutamento não podem conter, directa ou indirectamente, qualquer restrição,
especificação ou preferência baseada no sexo.
2 - O recrutamento para qualquer posto de trabalho far-se-á exclusivamente
com base em critérios objectivos, não sendo permitida a formulação
de exigências físicas que não tenham relação
com a profissão ou com as condições do seu exercício.
3 - Não constitui discriminação o facto de se condicionar
o recrutamento a um ou outro sexo nas actividades da moda, da arte ou do espectáculo,
quando tal seja essencial à natureza da tarefa a desempenhar, tornando-a
qualitativamente diferente quando prestada por um homem ou por uma mulher.
Art. 8.º - 1 - São proibidos ou condicionados os trabalhos
que, por diploma legal, sejam considerados como implicando riscos efectivos
ou potenciais para a função genética.
2 - As disposições legais, regulamentares ou administrativas previstas
no número anterior devem ser revistas periodicamente em função
dos conhecimentos científicos e técnicos, e, de acordo com esses
conhecimentos, ser actualizadas, revogadas ou tornadas extensivas a todos os
trabalhadores.
Art. 9.º - 1 - É assegurada a igualdade de remuneração
entre trabalhadores e trabalhadoras por um trabalho igual ou de valor igual
prestado à mesma entidade patronal.
2 - As variações de remuneração efectiva não
constituem discriminação se assentes em critérios objectivos
de atribuição, comuns a homens e a mulheres.
3 - Os sistemas de descrição de tarefas e de avaliação
de funções devem assentar em critérios objectivos comuns
a homens e mulheres, de forma a excluir qualquer discriminação
baseada no sexo.
4 - Cabe à trabalhadora que alegue a discriminação fundamentar
tal alegação por referência ao trabalhador ou trabalhadores
em relação aos quais se considera discriminada, incumbindo à
entidade patronal provar que as diferenças de remuneração
efectiva assentam em factor diverso do sexo.
Art. 10.º - 1 - É garantido às trabalhadoras,
nas mesmas condições dos homens, o desenvolvimento de uma carreira
profissional que lhes permita atingir o mais elevado nível hierárquico
da sua profissão.
2 - O direito reconhecido no número anterior estende-se ao preenchimento
de lugares de chefia e à mudança de carreira profissional.
Art. 11.º - 1 - É vedado à entidade patronal
despedir, aplicar sanções ou por qualquer forma prejudicar a trabalhadora
por motivo de esta haver reclamado alegando discriminação.
2 - Até prova em contrário, presume-se abusiva a aplicação
de qualquer sanção à trabalhadora, até um ano após
a data da reclamação fundada em discriminação.
3 - A violação do disposto no n.º 1 do presente artigo confere
à trabalhadora direito à indemnização, nos termos
gerais de direito, que acrescerá a quaisquer outras previstas na lei.
Art. 12.º - 1 - São nulas e de nenhum efeito as disposições
dos instrumentos de regulamentação colectiva na parte em que estabeleçam
profissões e categorias profissionais que se destinem especificamente
a pessoal feminino ou a pessoal masculino, as quais se entenderão como
substituídas por disposições abrangendo ambos os sexos.
2 - São do mesmo modo nulas e de nenhum efeito as disposições
dos instrumentos de regulamentação colectiva na parte em que estabeleçam,
para as mesmas categorias profissionais ou para categorias profissionais equivalentes,
remunerações inferiores para as mulheres, as quais são
substituídas, de pleno direito, pelas remunerações atribuídas
aos homens.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que a categoria
profissional é a mesma ou equivalente quando a respectiva descrição
de funções corresponder, respectivamente, a trabalho igual ou
de valor igual.
4 - As convenções colectivas de trabalho deverão incluir,
sempre que possível, disposições que visem a efectiva aplicação
das normas do presente diploma, designadamente pela participação
das associações sindicais no recrutamento, selecção
e formação profissional.
Art. 13.º - 1 - São nulas e de nenhum efeito as disposições
dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho na parte
em que estabeleçam remunerações diferentes para os aprendizes
do sexo feminino relativamente ao mesmo grau de aprendizagem medida em função
do decurso do tempo.
2 - Nos casos previstos na parte final no número anterior, a remuneração
correspondente para os aprendizes masculinos substitui de pleno direito a que
era estabelecida pela disposição ferida de nulidade.
Art. 14.º - 1 - É instituída junto do Ministério
do Trabalho a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, com
o objectivo de promover a aplicação das disposições
do presente diploma.
2 - A Comissão será composta por três
técnicos de reconhecida competência, nomeados pelo Ministro do
Trabalho, um dos quais presidirá, por dois representantes da Comissão
da Condição Feminina e por três representantes das associações
sindicais e três representantes das associações patronais.
3 - A Comissão será assessorada por técnicos de emprego
designados pelo Secretário de Estado da População e Emprego.
4 - A Comissão terá um secretariado composto por dois dos representantes
do Ministério do Trabalho e por um dos representantes da Comissão
da Condição Feminina.
5 - Compete ao Ministro do Trabalho regulamentar as
condições de instalação e funcionamento da Comissão
e afectar-lhe os meios humanos e materiais indispensáveis à prossecução
das suas atribuições.
Art. 15.º - 1 - Compete à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego:
a) Recomendar ao Ministro do Trabalho a adopção
de providências legislativas regulamentares e administrativas tendentes
a aperfeiçoar a aplicação das normas consignadas no presente
diploma;
b) Promover a realização de estudos e investigações,
com o objectivo de eliminar a discriminação das mulheres no
trabalho e no emprego;
c) Incentivar e dinamizar acções tendentes a divulgar os objectivos
do presente diploma;
d) Aprovar os pareceres que, em matéria de igualdade no trabalho e
no emprego, lhe sejam submetidos pelo secretariado;
e) Tornar públicos, por todos os meios ao seu alcance, casos de comprovada
violação das normas do presente diploma, desde que a decisão
seja tomada por unanimidade dos seus membros ou mereça a concordância
do Ministro do Trabalho.
2 - Compete ao secretariado:
a) Assessorar as entidades responsáveis pela elaboração
dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, com
vista a serem correctamente estabelecidas as correlações entre
as várias categorias profissionais e as remunerações
que lhe correspondem;
b) Emitir pareceres, em matéria de igualdade no trabalho e no emprego,
sempre que solicitados pela Inspecção do Trabalho, pelo juiz
da causa, pelas associações sindicais e patronais, pela entidade
encarregada de proceder à tentativa de conciliação em
conflitos individuais de trabalho ou por qualquer interessado;
c) Realizar visitas aos locais de trabalho ou solicitá-las à
Inspecção do Trabalho, com a finalidade de comprovar quaisquer
práticas discriminatórias;
d) Assegurar o expediente da Comissão, superintender nos respectivos
serviços, representá-la e, em geral, garantir as condições
necessárias ao desenvolvimento da sua actividade.
3 - A competência conferida pela alínea a) do
número anterior será obrigatoriamente exercida relativamente às
comissões encarregadas de elaborar portarias de regulamentação
de trabalho.
4 - No exercício da sua competência, o secretariado poderá
solicitar informações e pareceres a qualquer entidade pública
ou privada, bem como a colaboração de assessores de que careça.
5 - Em matéria de emprego, a Comissão deverá articular
as suas acções com o Conselho Nacional do Plano.
Art. 16.º - 1 - Poderão ser intentadas junto dos tribunais
competentes as acções tendentes a fazer aplicar as normas do presente
diploma.
2 - O direito de acção a que se refere o número anterior
será exercido pelo trabalhador que se considere discriminado ou, se este
assim o entender, pela associação sindical que o represente.
Art. 17.º - Contra-ordenações
Constitui contra-ordenação muito grave o impedimento do acesso de uma mulher a qualquer emprego, profissão ou posto de trabalho, com base em disposição referida no n.º 2 do artigo 4.º, a violação do artigo 6.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 7.º, do n.º 1 do artigo 9.º e dos artigos 10.º e 11.º
Art. 18.º Quando na aplicação do disposto nos artigos 4.º, 6.º, 7.º, 9.º e 10.º a Inspecção do Trabalho tiver fundadas dúvidas quanto à eventual existência de uma situação ou prática discriminatória, só procederá ao levantamento do respectivo auto após prévio parecer da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.
Art. 19.º - 1- As disposições dos artigos 12.º e 13.º só serão aplicáveis aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho cujo processo de celebração ou elaboração se inicie a partir do terceiro mês de vigência do presente diploma.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se iniciado o processo pela apresentação de proposta, no caso de convenções colectivas de trabalho, ou pela emissão de despacho de constituição de comissão técnica, no caso de portarias de regulamentação de trabalho.
Art. 20.º - 1 - As relações de serviço doméstico e de trabalho domiciliário serão objecto de diploma regulamentar autónomo, que poderá introduzir alterações ao regime do presente diploma se impostos pela especificidade do sector a abranger.
2 - O presente diploma deverá ser tornado aplicável, no mais breve prazo, ao Estado, autarquias locais, serviços municipalizados e instituições de previdência e aos trabalhadores ao seu serviço.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego deverá, em colaboração com o serviço do Provedor de Justiça e com a Secretaria de Estado da Administração Pública, estudar e propor as medidas legislativas adequadas.
Art. 21.º Cabe aos governos das regiões autónomas proceder à criação, a nível regional, das estruturas adequadas à realização dos objectivos do presente diploma, bem como propor as formas de articulação com a Comissão prevista no artigo 14.º e com as delegações da Inspecção do Trabalho.
Art. 22.º O presente diploma será obrigatoriamente revisto no prazo de dois anos.
Art. 23.º - 1 - São revogadas todas as disposições legais, regulamentares e administrativas contrárias ao livre acesso das mulheres a qualquer emprego, profissão ou posto de trabalho, incluindo as que se referem a critérios de selecção, qualquer que seja o sector ou ramo de actividade, a todos os níveis de hierarquia profissional.
2 - É revogado o n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 47500, de 18 de Janeiro de 1967.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 31 de Julho de 1979. - Carlos Alberto da Mota Pinto - Manuel Jacinto Nunes - Eusébio Marques de Carvalho - António Jorge de Figueiredo Lopes.
Promulgado em 31 de Agosto de 1979.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.