Ministério da Obras Públicas - Gabinete do Ministro
Decreto-Lei n.º 8/73
de 8 de Janeiro
A existência nas grandes cidades de sectores urbanos
insalubres vem constituindo motivo de grande preocupação para
os corpos administrativos e para o próprio Governo.
A demonstrá-lo está a importância que a Lei n.º 2030, de
22 de Junho de 1948, conferia já ao problema, possibilitando a expropriação
por utilidade pública, face à inércia dos respectivos proprietários
daquelas «casas que reconhecidamente devam ser reconstruídas ou remodeladas
em razão das suas pequenas dimensões, posição fora
do alinhamento ou más condições de higiene ou estética».
Em torno de tal possibilidade a lei tece todo um regime jurídico em que
se prevê expressamente a fixação de planos gerais de reconstrução
sempre que as casas a renovar constituam um conjunto; se admite o financiamento
pelo Estado das obras de renovação; se regula a desocupação
dos prédios por via administrativa e finalmente se determina, para as
hipóteses de expropriação, que a entidade expropriante
providencie no sentido de ser proporcionada nova habitação aos
moradores em comprovada situação de carência.
Anos mais tarde, o Governo, com a publicação do Decreto-Lei n.º
40616, de 28 de Maio de 1956, através do qual foram conferidos à
Câmara Municipal do Porto os meios jurídicos e financeiros necessários
à resolução do chamado problema das «ilhas», veio impulsionar
a primeira iniciativa de vulto no domínio da renovação
urbana tal como fora concebida pela Lei n.º 2030.
A execução do Decreto-Lei n.º 40616 permitiu, na verdade, colher
uma experiência muito útil, no que se refere, designadamente, à
eficácia dos instrumentos jurídicos por ele postos em vigor e
ao seu confronto com os institutos consagrados pela Lei n.º 2030.
Fruto em boa parte dessa experiência são já as normas que,
no diploma definidor das bases jurídicas indispensáveis à
prossecução de uma política de solos adequada às
novas necessidades do desenvolvimento urbanístico, se referem expressamente
ao problema da renovação urbana, estruturando os meios indispensáveis
a uma actuação mais eficaz da Administração.
Reconhece-se, porém, que há aspectos importantes no desenvolvimento
de qualquer plano de renovação que não foram ainda objecto
de adequada previsão normativa, nomeadamente os que respeitam ao realojamento
dos ocupantes dos conjuntos a renovar, ao estabelecimento de um direito de reocupação
dos primitivos fogos depois de renovados, bem como aos reflexos nos contratos
de arrendamento das obras de beneficiação quando a cargo dos senhorios.
Por isso se tomou a iniciativa da publicação do presente diploma,
que mais não pretende que aperfeiçoar e completar os meios existentes,
por forma a tornar possível a realização sistemática
de obras de renovação onde venham a mostrar-se mais necessárias.
Espera-se, assim, com os resultados apurados na sua aplicação,
a acrescentar aos das experiências já levadas a cabo, tornar possível
a estruturação conveniente do instituto da renovação
de sectores urbanos no futuro diploma básico do urbanismo, actualmente
em preparação.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição,
o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. A elaboração e execução
de planos de urbanização de pormenor visando a renovação
de sectores urbanos sobreocupados ou com más condições
de salubridade, solidez, estética ou segurança contra risco de
incêndio cabe ao Fundo de Fomento da Habitação ou às
câmaras municipais e obedecerá ao disposto no presente diploma.
2. Compete ao Ministro das Obras Públicas a aprovação dos
planos de urbanização referidos no número anterior, sempre
que a iniciativa da sua elaboração pertença ao Fundo de
Fomento da Habitação, ou quando se verifique uma das hipóteses
previstas no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 560/71, de 17 de Dezembro.
Art. 2.º - 1. Para execução dos planos referidos
no artigo anterior o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras
municipais determinarão, precedendo vistoria realizada nos termos do
§ 1.º do artigo 51.º do Código Administrativo, a demolição
total ou parcial das construções e a execução das
obras necessárias à renovação dos sectores abrangidos.
2. Sempre que a desocupação dos prédios abrangidos seja
necessária à execução das obras referidas no número
anterior, o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras
municipais ordenarão o respectivo despejo sumário, que deverá
executar-se no prazo de trinta dias.
3. No caso de as operações de renovação abrangerem
construções pertencentes a várias pessoas, as entidades
competentes procederão à sua expropriação, total
ou parcial, sempre que os interessados não apresentem, no prazo fixado,
acordo sobre os encargos com a realização das obras e o exercício
do direito de propriedade sobre as construções que vierem a substituir
as primitivas.
4. As expropriações referidas nos números anteriores regem-se,
além de outra legislação, pelo disposto na Lei n.º 2142,
de 14 de Maio de 1969, e no Decreto-Lei n.º 278/71, de 23 de Junho, na parte
aplicável.
Art. 3.º - 1. A execução de quaisquer obras,
bem como o prazo para a sua conclusão, serão notificados aos proprietários
por carta registada com aviso de recepção e constarão de
edital a afixar nos paços do concelho e de anúncio a publicar
num jornal da sede do concelho ou num dos jornais mais lidos na localidade.
2. Sempre que não seja possível proceder à notificação
referida no número anterior, o prazo para a conclusão das obras
conta-se a partir da publicação do último anúncio.
Art. 4.º - 1. Quando os trabalhos referidos no artigo 2.º
não sejam executados no prazo fixado, as entidades competentes poderão
ocupar os respectivos prédios a fim de mandar proceder à imediata
execução das obras por conta dos proprietários.
2. A cobrança das importâncias despendidas por força do
disposto no número anterior compete, na falta de pagamento voluntário,
aos tribunais das contribuições e impostos, constituindo título
executivo a certidão passada pelos serviços do Fundo de Fomento
da Habitação ou das câmaras municipais donde constem todos
os requisitos referidos no artigo 156.º do Código de Processo das Contribuições
e Impostos e demais legislação aplicável.
Art. 5.º - 1. O Fundo de Fomento da Habitação
ou as câmaras municipais poderão, a requerimento dos interessados,
elaborar os projectos e executar os trabalhos de renovação urbana.
2. As quantias devidas pela realização das actividades referidas
no número anterior, acrescidas dos juros legais, poderão ser pagas
em anuidades mediante prévia deliberação das câmaras
municipais ou despacho do Ministro das Obras Públicas.
Art. 6.º Os créditos a que se referem os artigos 4.º e 5.º gozam de privilégio imobiliário, graduado a seguir à alínea b) do artigo 748.º do Código Civil.
Art. 7.º - 1. Os trabalhos previstos neste diploma serão
precedidos de realojamento dos ocupantes, sempre que a desocupação
se revele indispensável à sua execução ou se mostre
excedida a capacidade habitacional das edificações.
2. Os ocupantes desalojados, nos termos do número anterior, terão
direito a reocupar os fogos que habitavam, em conformidade com o disposto no
presente diploma.
3. Para efeitos do disposto no n.º 1, o Fundo de Fomento da Habitação
ou as câmaras municipais criarão novos núcleos habitacionais,
devidamente localizados e equipados, os quais se destinarão prioritàriamente
aos moradores desalojados nos termos que vierem a ser fixados em despacho do
Ministro das Obras Públicas.
4. O Governo incentivará a promoção económico-social
das populações das áreas sujeitas a operações
de renovação.
Art. 8.º - 1. A utilização das edificações
situadas em áreas sujeitas a operações de renovação
urbana depende de licença municipal, na qual se fixará a sua capacidade
habitacional.
2. À licença de utilização é aplicável
o disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril.
3. A reocupação de prédios sem prévia licença
municipal ou em desconformidade com ela será punida com a multa de 10000$00.
Art. 9.º - 1. Os fogos das edificações situadas
em áreas sujeitas a operações de renovação
não podem ser locados ou sublocados de forma que neles fique residindo
mais de um agregado familiar ou seja excedida a sua capacidade habitacional.
2. A infracção ao disposto no número anterior implica a
aplicação da multa de 10000$00 aos locadores ou sublocadores e
o despejo sumário dos ocupantes até se assegurar o seu cumprimento,
pela ordem seguinte:
a) Os que não se integrem em agregado familiar residente
no fogo;
b) Os agregados familiares que excedam a capacidade habitacional do fogo;
c) Os agregados familiares que residam há menos tempo no fogo.
3. Os ocupantes despejados nos termos do número anterior terão direito a uma indemnização correspondente a cinco anos de renda, salvo se o senhorio lhes facultar habitação satisfatória, no prazo de dez dias, por igual renda mensal e dentro da mesma localidade.
Art. 10.º - 1. O direito de permanência ou reocupação das edificações situadas em áreas sujeitas a operações de renovação será atribuído prioritàriamente, aos agregados familiares, pela ordem seguinte:
a) Aos que residam há mais tempo no prédio
e na zona;
b) Aos que tenham maior número de filhos a seu cargo;
c) Aos que sejam constituídos por maior número de pessoas;
d) Aos que tenham menor rendimento per capita.
2. Os ocupantes que não se integrem em qualquer agregado familiar residente na área serão realojados em conformidade com os seguintes factores de prioridade:
a) Maior permanência na zona;
b) Maior número de anos de idade;
c) Menor rendimento;
d) Maior proximidade dos locais de trabalho.
3. As ordens de prioridade referidas nos números anteriores são estabelecidas sem prejuízo da preferência sempre dada aos ocupantes que sejam simultaneamente titulares do direito de propriedade de superfície ou de usufruto sobre o respectivo prédio ou parte dele.
Art. 11.º Os contratos de locação ou sublocação celebrados com violação do disposto nos artigos anteriores são nulos, podendo o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras municipais ordenar o despejo sumário dos ocupantes.
Art. 12.º - 1. A atribuição de novos fogos,
construídos ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 7.º, será
feita a título precário, mediante licença passada de acordo
com o regime estabelecido no Decreto n.º 35106, de 6 de Novembro de 1945, na
parte aplicável.
2. Os valores médios das taxas a cobrar serão fixados em face
do estudo económico a elaborar para cada núcleo, segundo directrizes
gerais a fixar em portaria do Ministro das Obras Públicas em que se atenda
à situação financeira dos agregados a que se destina cada
habitação.
Art. 13.º - 1. Quando a extensão e complexidade das
operações de renovação urbana a efectuar o justifiquem,
o Governo pode autorizar a constituição, a título eventual,
de gabinetes técnicos por onde correrão todos os assuntos com
ela relacionados.
2. No âmbito dos trabalhos de renovação e quando nisso houver
conveniência o Fundo de Fomento da Habitação ou as câmaras
municipais podem autorizar, com dispensa de quaisquer formalidades, a elaboração
de projectos, fiscalização de obras ou quaisquer trabalhos urgentes
ou especializados em regime de prestação de serviços ou
de empreitada.
Art. 14.º - 1. Os senhorios das edificações
remodeladas, beneficiadas ou reconstruídas parcialmente nos termos do
presente diploma terão direito a um aumento de renda até ao limite
correspondente a um juro de 8 por cento sobre a importância despendida.
2. Nos casos em que seja determinada a construção ou reconstrução,
total da edificação, o senhorio poderá exigir dos inquilinos
beneficiados pelas obras a renda que for fixada por avaliação
fiscal.
3. Aos inquilinos que se encontrem em qualquer das situações previstas
no artigo 256.º do Código Administrativo poderão ser concedidos
subsídios não reembolsáveis que não excedam a diferença
entre a renda paga antes da realização das obras e a fixada posteriormente.
Art. 15.º Os registos de transmissão das construções e terrenos adquiridos pelo Fundo de Fomento de Habitação ou pelas câmaras municipais para a execução das operações de renovação urbana, bem como os que se mostrem necessários para as tornar possíveis, serão efectuados nas conservatórias de registo predial, com preterição dos demais, dentro dos vinte dias imediatos ao da apresentação do respectivo requerimento.
Art. 16.º O financiamento das operações de renovação urbana previstas neste diploma, bem como a aquisição dos terrenos necessários à sua realização, incluindo a construção dos núcleos habitacionais referidos no n.º 3 do artigo 7.º, terão lugar nos termos do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - António Manuel Gonçalves Rapazote - Manuel Artur Cotta Agostinho Dias - Rui Alves da Silva Sanches.
Promulgado em 29 de Dezembro de 1972.
Publique-se.
O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.